quinta-feira, julho 30, 2009

Comprimido!


Os olhos pesados, as pupilas dilatadas. Lacrimejantes. A face escorre como tinta fresca. Deforma. Informa. Aos que olham, apenas a fumaça. Bafo quente de quem espera o sono tomar conta. Corpo exaurido, murcho. Sem líquidos. Sobre o colchão, papéis datilografados. Poesia incompleta; sentimentos pequenos. Acúmulo de desejos pouco sentidos. Sentimentos comprimidos e um comprimido. Na noite anterior, este mesmo corpo que escorre em si, estremeceu. “A poesia tem que sair do corpo em gozo”, pensava. Mas o tremor em corpo alheio não permaneceu a ponto da sensação penetrar por entre os poros. Fruição desconstruída. Efêmera. Tentativa frustrada de preencher com palavras ainda opacas uma folha amarelada. Sonolência e letargia. Frases frias e ásperas aportados em papeis sobre o lençol, a sensação interrompida pelo sono implacável, escurecem em efeito comprimido de uma sensação qualquer, escorrendo vagarosamente sobre o gozo sem efeito.

[renato ribeiro]

quarta-feira, julho 01, 2009

Anúncio!

Na manhã do dia 19 de junho, saiu no jornal, entre o obituário e os anúncios de móveis usados a seguinte nota: “Eu, no dia 25 de junho, pontualmente às seis da tarde no centro da cidade, farei algo que mudará o rumo da vida de todos de forma drástica. Nada mais será como antes”. De certo ele pensou que um pequeno anúncio de quatro linhas, fosse passar despercebido. Anunciou mesmo só para não ter como hesitar na hora H. A palavra havia de ser dada, ser afirmada e sobretudo, irredutível. Por isso um anúncio. Caso alguém procurasse nos registros do jornal, lá estariam as palavras deste senhor. Surpreendentemente, na manhã do dia seguinte à publicação da nota, choveram cartas à redação do jornal. O que deveria ser sutil e em certo ponto imperceptível, alastrou-se e chamou a atenção de centenas de pessoas. Nas cartas enviadas a edição do jornal uma pergunta era unânime: “Quem é esse que propõe uma mudança dessa categoria?”. Absolutamente todos queriam saber. Todos. E sem poder dar muitas respostas, a redação colocou uma rápida nota na edição do dia seguinte: “Não temos informações para dar. Favor aguardar a tarde do dia 25 de junho”. A curiosidade se alastrou ainda mais, pois por puro descuido – ou intencional mesmo, vai saber! - a nota saiu na primeira página do jornal. O interesse por esse sujeito ficou tão grande que tomou proporções inimagináveis. Uns achavam que poderia ser um milionário excêntrico num helicóptero jogando notas de cem ao ar, outros que um sujeito atiraria na própria cabeça em praça pública aproveitando a hora do rush... Absurdos eram ditos a respeito do sujeito. Os programas de TV, aproveitando a nova onda, passaram a oferecer uma recompensa a quem tivesse qualquer informação sobre o misterioso sujeito e a intrigante ação. É, já havia repercutido nacionalmente. Oportunistas não perderam tempo e tentaram de tudo, mas nada de concreto apresentaram aos programas. Muitos até saíram sob uma enxurrada de vaias da platéia sedenta por informações. Na programação da rádio da cidade, mas de alcance nacional, foi criado um especial só para falar das curiosidades que cercavam o mistério. Bolão havia aos baldes, uns já chegavam ao prêmio de cem mil, tamanho era o interesse da população... e assim prosseguiam as absurdas manifestações que só alimentavam a curiosidade da população nacional. Chegou o dia 25 de junho, todos passaram a manhã e parte da tarde apreensivos. Contavam as horas, minutos, segundos. Nesse dia ninguém saiu de casa, as ruas encontravam-se completamente vazias. Televisões ligadas, rádios sintonizados... No meio da tarde, por volta das quatro e pouca, quando ninguém mais havia como controlar a ansiedade, ouve-se no rádio e vê-se na TV a notícia bombástica: “Morre o Rei do Pop”. Olhos arregalados! Nessa hora não se ouviu um único zumbido. Todos se encontravam em absoluto estado de choque. Pasmaceira total! A notícia consumiu a todos completamente. Nada mais era dito sobre coisa alguma além de: “Morre o Rei do Pop”. E enquanto isso no centro da cidade, o sujeito que há uma semana publicou o anúncio, caminhava lentamente a fim de cumprir o que havia prometido. E pontualmente às seis da tarde, enquanto todos estavam entretidos com a nova notícia, ele fez o que mudaria a vida de todos, pondo fim ao mistério que por dias pairou no ar.