Frio. Noite sem estrelas. Lua
Cheia. Azul. Rua com pouco movimento. Pessoas comuns em conversas triviais. De
longe, no meio desse mar insosso, vejo os olhos dele. Pretos. Olhos em
contraponto com sua pele clara. Cabelos cortados. Sorriso juvenil. Por
segundos fico preso a sua imagem. Disfarço. Faço de conta que apenas o
movimento comum permanece. Uma bebida. Um cigarro. Pensamentos soltos. Ele se
aproxima de mim e me faço de surpreso como se não o tivesse visto ainda.
Cumprimento formal. Conversa trivial. Não consigo desprender meus olhos dos
dele. Brilhantes! Sua presença me transforma. Aos poucos sinto que entrego
alguns pontos - coração acelerado, um desejo forte de beijar-lhe a boca. Ali
mesmo. Sem pudor. Apenas desejo. A conversa estende e o frio, mais intenso, faz
meu corpo tremer. Já não ouço bem o que ele fala. Quase não respondo. Apenas me
fixo em seus olhos. Pretos! Lentamente me aproximo com a intenção de beijá-lo.
Boca seca, respiração densa, segundos suspensos... Desvio. Sem jeito
dou-lhe um abraço e cortando o assunto, me despeço. Como desculpa: o frio.
Castrei o meu desejo. Talvez fosse a lua azul e seu misticismo pálido. Acendo outro
cigarro com uma leve sensação de frustração.
Caminhando para casa imagino o beijo não dado e penso se o impulso não
foi solitário. Acho que não. Talvez. Se tivesse seguido em frente saberia. De certeza, apenas o preto de seus olhos em
minha cabeça. E se todo o restante tiver sido engano, pelo menos o meu desejo
não.
[renato ribeiro]