domingo, dezembro 20, 2009

Flashback

Já havia postado este texto antes e por alguns secretos motivos acabei deletando. Mas com o girar das coisas, aí está ele novamente, como mais um flashback...
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(ano da França no Brasil)
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Acordei assustado pelo barulho estridente do despertador, engoli o café da manhã e sai para trabalhar. Sempre! Após o sinal de ida, fui. Sem pestanejar. Cansa. Cansei. Já estou cansado. No ponto de ônibus, enquanto esperava o circular, crianças a caminho da escola circulavam livremente. Enjôo – é assim todas as manhãs. Do outro lado da rua ouço uma buzina. “Quer carona?”, um grita. Na hora não enxerguei bem quem era, mas numa situação dessas quase nada se dispensa, principalmente se o sono ainda pesa sobre as pálpebras. “Quer carona?”, repetiu. “Ufa, hoje escapo de mais um atraso.”, pensei. Cartão de ponto pontual. Pontuado! Entrei no carro - o homem ao volante: um (des) conhecido do trabalho - e sentei-me no banco de trás. “Bom dia!” “Bom dia!” “Bom dia!”, dissemos todos. O rádio estava ligado. Música dos anos 80 com o carro a 70. “A semana começou assustadora!”, puxei assunto e... Silêncio, exceto pelo flashback matinal. No banco da frente mais um pontuado. Cartão! Mudo também. Desse me lembro de ter trocado algumas palavras pelos corredores do trabalho. Onde trabalhamos ninguém conhece ninguém. Especulam-se uns sobre os outros. Ou pelo menos eu não conheço ninguém, ou eu especulo sobre os outros. Enjôo – é assim todas as manhãs. Pelo retrovisor do carro avistava o rosto do homem ao volante. Carlos, Cássio, Ca... Tentava sem sucesso lembrar-me do nome dele. Ele: poucas palavras, semblante sério, barba cerrada, alguns fios de cabelos brancos. Talvez uns 36 a 38 anos. Trabalhamos no mesmo local há meses e apenas hoje reparei em seu rosto. Enquanto os meus olhos saltavam contra o retrovisor, os olhos dele concentravam-se na direção. “E como ele é bonito!”, pensava enquanto observava o formato do nariz e dos olhos e da boca. E no rádio: Lionel Richie. “Bonito e Cafona!”, completei o pensamento. Por alguns segundos, os olhos dele encararam os meus pelo reflexo do espelho. Olhares perdidos. “É provável que o Sarkozy venha”, desconcertado comentei com os olhos ainda fixos no retrovisor. “Quem?”, respondeu o desconhecido sentado à frente que até então se mantinha distraidamente calado. “Sarkozy”, repeti. O homem ao volante, que até o momento não conseguia lembrar do nome, respondeu me encarando diretamente através retrovisor: “Nesse horário só toca flashback.” No mesmo instante desviei o olhar, calei-me e, enjoado, engoli a seco. Foi melhor ter aproveitado o restante da carona calado mesmo.
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[renato ribeiro]

quinta-feira, novembro 12, 2009

"A nova loira do tchan... deixa ela entrar"

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Os tempos estão mudando – imagina! –, pelo menos é o que dizem. Até a nova loira do ‘tchan’, ressurgida das cinzas, desta vez foi condenada. Dizem que por pouco não houve apedrejamento em campus desfolhado. A loirinha de mini-saia foi acusada como uma madalena sem qualquer arrependimento. Afinal, arrepender-se de quê? Antes a palavra de ordem era boca da garrafa e rala coxa, shorts de laicra e top. Luz na passarela quando ela vinha, e foco maior de luz quando esta mesma voltava sacudindo o pandeirão. O perfil ideal era claro: “60 de cintura (que gostosura!), 105 bundinha (que bonitinha!), 1,70 de altura (ninguém segura!), mas que loirinha danadinha...” Agora, com o andar das novas modas, ou molduras, ao invés de abrir a roda e ‘deixar ela’ entrar, barra-se com requintes - quase ditatoriais - o ícone que nos mesmo elegemos desde os anos 90 e que ainda não perdeu seu posto de majestade (pelo menos para alguns). E como num jogo de quem mostra mais, cada qual mostra o que tem de melhor, que na verdade é o mesmo do que se tem de pior. Uns mostram as pernas, outros a pura-sincera-imaculada-benevolente – tudo junto mesmo – indignação por aquele par de pernas à mostra. Inveja? Não sei. Pudor? Só se for para me fazer rir. Aff... Mas como disseram, “os tempos estão mudando” e com isso, dali cartões vermelhos para a dana que parou um bloco inteiro. Mas sinceramente, fazer o quê? Sei que com ela nada. Adequada ela estava às molduras criadas de sensualidade gritante. Menos é mais! Talvez nós é que tenhamos nos esquecido disso e por isso devemos ser punidos. Sem Dó, nem Ré. Tão pouco piedade. Essa falsa madalena – tão falsa quanto todos nós, que se funde com a nova loira fênix do tchan, deveria era aproveitar os 15 min de fama e virar a nova capa do mês de dezembro da Playboy. Se as outras podem, por que ela não? Afinal, quem nunca teve uma mini-saia, que atire a primeira plataforma... oops pedra! Ah dá no mesmo...
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[renato ribeiro]

quinta-feira, setembro 17, 2009

Postagem deletada!

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Poema dadaísta feito com palavras da postagem "maquinal" deletada na semana passada.

quarta-feira, setembro 02, 2009

Fragmento!

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Os sapatos de salto apertavam-lhe a ponta dos pés. Lábios sem cor. Cabelo desgrenhado. A bolsa presa junto ao corpo. Seus passos largos denunciavam seu desejo de chegar em casa. Banho quente, roupas limpas e leves. Café e bolacha água e sal. Seus pensamentos se esvaiam pelas ruas. Domésticos! Eram quatro da manhã. Gatos nos telhados. Olhos como brilhantes jogados num canto de pouca luz. Na rua apenas prostitutas e vagabundos. O corpo dessa mulher fora devorado. Marcas nos braços, pescoço, nuca. Desgastado inteiramente. O seu corpo preso aos seus passos, a suas tensões, aos seus falsos brilhantes. Só. Além disso nada mais, somente o desejo de chegar em casa que crescia a cada aperto dos sapatos de salto. E como eles apertavam...
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[renato ribeiro]

quarta-feira, agosto 19, 2009

Mr. Bean!

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A semana escapou-me aos dedos. Escorreu por entre as frestas mal fechadas. Descuidadas. Aos poucos vê-se a rotina tomando o seu lugar, demarcando novamente um território que já era seu. Carimbo! Nela as horas se confundem com as roupas, que se confundem com os papeis, que se confundem com os amigos, que se chocam constantemente com a falta de horas. Mas é isso, carimbo! O cartão de ponto é marcado como a vaca muito antes do abate. A dieta complementar “de engorda” para essas vacas de marcas sem qualquer sutileza - além do ‘ruminânça’ infernal -, concentra-se em sentar-se em poltronas confortáveis frente à TV. Na TV aberta: barbaridades apresentadas no horário supostamente nobre. Pelo menos não há o que ruminar, cospe-se inteiro. Controle nas mãos. Zapear de canal em canal: novelas, telejornais, reality shows... sem opções, cedi a uma antiga série de humor: Mr. Bean. Boca cheia, mas não é preciso deglutir nada. Só ver – e ora ou outra rir um pouco. A primeira vista ele preenche o olhar. Inusitado, pouco previsível antes dos dez primeiros minutos. Enfim, por algumas noites em que não se tem mais o que devorar, devora-se ele, o Mr. Bean.

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A sexta-feira começou a passos largos. Despertador que não desperta, água que não ferve, telefone que não pára de tocar – há momentos em que prefiro o tédio. Carro com pouca gasolina e sem tempo de passar no posto: ônibus. Meu humor já não é dos melhores! No ponto, sinal para a condução. Assim que ponho os pés dentro do ônibus, deparo-me com dezenas de rostos semelhantes. Talvez a sexta-feira, talvez o cansaço, talvez a extravagância da noite anterior. Lá está ele... aqui estão vários deles. Mr. Bean (s). Ou encantei-me demais com o que deveria ser apenas humor, ou a sexta-feira me deu mais uma coisa para ruminar.

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Deveria parar. Chega de assistir o Mr. Bean. Os rostos se multiplicaram durante a semana. Cópias carbonadas, algumas de péssima qualidade. Agora tenho que deglutir. O problema será fugir do abate.

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Após uma segunda-feira gorda, já de estômago cheio e completamente farto, sentei-me frente à TV com a intenção de tornar-me mais leve para a semana que mal iniciara. Horário “nobre”. Sem muito rodeio estaciono novamente nele: o Mr. Bean. Ibope alto demais para quem não merece. Corpo largado, barriga estufada e mais uma ‘ruminânça’ noturna completamente desnecessária. Ele é até engraçado, admito timidamente. Talvez estivesse na hora de engolir o Mrs. Been... (ops, grafia errada) Talvez estivesse na hora de engolir o Mr. Bean. Já que os rostos se multiplicam cada vez mais, o melhor é começar a digerir. Engulo e... blerg! Regurgitei.

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Na noite seguinte, antes mesmo de sentar-me na poltrona, pensei: “Ah! Definitivamente não dá. ES-PA-LHA-FA-TO-SO demais”. Eh, por ainda ter a marca sutil me mantenho longe do abate.
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[renato ribeiro]

quinta-feira, julho 30, 2009

Comprimido!


Os olhos pesados, as pupilas dilatadas. Lacrimejantes. A face escorre como tinta fresca. Deforma. Informa. Aos que olham, apenas a fumaça. Bafo quente de quem espera o sono tomar conta. Corpo exaurido, murcho. Sem líquidos. Sobre o colchão, papéis datilografados. Poesia incompleta; sentimentos pequenos. Acúmulo de desejos pouco sentidos. Sentimentos comprimidos e um comprimido. Na noite anterior, este mesmo corpo que escorre em si, estremeceu. “A poesia tem que sair do corpo em gozo”, pensava. Mas o tremor em corpo alheio não permaneceu a ponto da sensação penetrar por entre os poros. Fruição desconstruída. Efêmera. Tentativa frustrada de preencher com palavras ainda opacas uma folha amarelada. Sonolência e letargia. Frases frias e ásperas aportados em papeis sobre o lençol, a sensação interrompida pelo sono implacável, escurecem em efeito comprimido de uma sensação qualquer, escorrendo vagarosamente sobre o gozo sem efeito.

[renato ribeiro]

quarta-feira, julho 01, 2009

Anúncio!

Na manhã do dia 19 de junho, saiu no jornal, entre o obituário e os anúncios de móveis usados a seguinte nota: “Eu, no dia 25 de junho, pontualmente às seis da tarde no centro da cidade, farei algo que mudará o rumo da vida de todos de forma drástica. Nada mais será como antes”. De certo ele pensou que um pequeno anúncio de quatro linhas, fosse passar despercebido. Anunciou mesmo só para não ter como hesitar na hora H. A palavra havia de ser dada, ser afirmada e sobretudo, irredutível. Por isso um anúncio. Caso alguém procurasse nos registros do jornal, lá estariam as palavras deste senhor. Surpreendentemente, na manhã do dia seguinte à publicação da nota, choveram cartas à redação do jornal. O que deveria ser sutil e em certo ponto imperceptível, alastrou-se e chamou a atenção de centenas de pessoas. Nas cartas enviadas a edição do jornal uma pergunta era unânime: “Quem é esse que propõe uma mudança dessa categoria?”. Absolutamente todos queriam saber. Todos. E sem poder dar muitas respostas, a redação colocou uma rápida nota na edição do dia seguinte: “Não temos informações para dar. Favor aguardar a tarde do dia 25 de junho”. A curiosidade se alastrou ainda mais, pois por puro descuido – ou intencional mesmo, vai saber! - a nota saiu na primeira página do jornal. O interesse por esse sujeito ficou tão grande que tomou proporções inimagináveis. Uns achavam que poderia ser um milionário excêntrico num helicóptero jogando notas de cem ao ar, outros que um sujeito atiraria na própria cabeça em praça pública aproveitando a hora do rush... Absurdos eram ditos a respeito do sujeito. Os programas de TV, aproveitando a nova onda, passaram a oferecer uma recompensa a quem tivesse qualquer informação sobre o misterioso sujeito e a intrigante ação. É, já havia repercutido nacionalmente. Oportunistas não perderam tempo e tentaram de tudo, mas nada de concreto apresentaram aos programas. Muitos até saíram sob uma enxurrada de vaias da platéia sedenta por informações. Na programação da rádio da cidade, mas de alcance nacional, foi criado um especial só para falar das curiosidades que cercavam o mistério. Bolão havia aos baldes, uns já chegavam ao prêmio de cem mil, tamanho era o interesse da população... e assim prosseguiam as absurdas manifestações que só alimentavam a curiosidade da população nacional. Chegou o dia 25 de junho, todos passaram a manhã e parte da tarde apreensivos. Contavam as horas, minutos, segundos. Nesse dia ninguém saiu de casa, as ruas encontravam-se completamente vazias. Televisões ligadas, rádios sintonizados... No meio da tarde, por volta das quatro e pouca, quando ninguém mais havia como controlar a ansiedade, ouve-se no rádio e vê-se na TV a notícia bombástica: “Morre o Rei do Pop”. Olhos arregalados! Nessa hora não se ouviu um único zumbido. Todos se encontravam em absoluto estado de choque. Pasmaceira total! A notícia consumiu a todos completamente. Nada mais era dito sobre coisa alguma além de: “Morre o Rei do Pop”. E enquanto isso no centro da cidade, o sujeito que há uma semana publicou o anúncio, caminhava lentamente a fim de cumprir o que havia prometido. E pontualmente às seis da tarde, enquanto todos estavam entretidos com a nova notícia, ele fez o que mudaria a vida de todos, pondo fim ao mistério que por dias pairou no ar.

quinta-feira, junho 25, 2009

Auto-retrato!

Cores cansadas, cortadas, abafadas.
Cores de todos os sentidos e sabores.
Cores que preenchem, que consomem e engolem,
Cores de várias cores. Múltiplas cores.
Cores em tábuas rasas,
Pinturas em tábuas verdes
Auto-relevo tratado.
Auto-retrato manchado em cores.
Cores idiossincrásicas.

terça-feira, junho 23, 2009

Peixes e pássaros!

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[imagens emprestadas]
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Peixes assim como pássaros voam na imensidão do mar – pássaros mergulham. Uns afogam-se no ar e outros sufocam-se nas correntes das águas escuras e frias em que vivem. Peixes e pássaros procuram sempre por outros semelhantes para deslizarem por entre caminhos desconhecidos e quando perdidos se tornam presas fáceis de predadores maiores e mais espertos. Os pássaros assim como os peixes estão presos no que lhes servem como símbolo de liberdade. No ar e na água – os peixes afogam-se, os pássaros sufocam-se.
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[renato ribeiro]
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Confira o conto "Quando nos casarmos" do escritor e amigo Carlos Renatto.

quarta-feira, junho 10, 2009

Embarque e desembarque!

Embarques e desembarques. Toc, toc, toc. O salto do sapato ecoa longinquamente. Malas entupidas de pertences pessoais etiquetadas e carregadas ao bagageiro. Ali ninguém parece conhecer ninguém e nesse descaso de desconhecidos, salvam-se apenas acenos de cabeça. Sempre! Freqüência e rotina dos horários. Sempre! Mesmoshoráriosmesmasfeiçõesmesmos-nos. E o acaso fica por conta do toc, toc frequente. Toc...Volta apressada a mulher como se os segundos a engolissem e a regurgitassem. No fim das contas tudo se resume a isso: batidas de sapatos no lugar de conversações vazias. Motores ligados, todos se acomodam ligeiramente nos ônibus enfileirados. “Rumo à França com segurança!” – grita um apressado. E todos quase que no mesmo instante se entreolham. Desconhecidos e desconhecidos. Se fosse um embarque aéreo seria ainda mais inoportuno. De semelhança aparente entre eles apenas a pressa, a não ser que o ônibus de fato desapareça nas curvas da estrada, ou num verde oceânico de folhas queimadas pelo frio. E eu solitariamente sentado nos banquinhos da rodoviária, conservo meus olhares perdendo-se por entre rostos que se entreolham discretamente. MP3, MP4, MP5010, todos enganosamente disfarçam a curiosidade de saber os motivos pelos quais os horários se cruzam. Embarque na A. Desembarque na H e novas pessoas. Entre rostos desconhecidos um que sobressalta ao acaso, como se houvesse comigo hora marcada. Transporte. Trans. Porte. Calça jeans, camisa branca, boné, olhos translúcidos e fone de ouvido. MPalgumacoisa. Toc, toc, toc. E a mesmíssima mulher agita-se ainda mais ao encontrar este “porte” com um abraço invejável. A sensação de esperar o regresso talvez seja melhor que a de partir sozinho, ou a de voltar. Motores ligados. Embarque. “Rumo à França com segurança”, pensei silenciosamente comigo. Afinal, quando não tem por quem ir ou voltar, perder-se em novos ares soa tentador.
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[renato ribeiro]

sábado, maio 23, 2009

"A megera domada"




"A megera domada"
Direção: Airá Fuentes
Atuação: Iza Lanza e Renato Ribeiro
Música: Fabrício Malaquias e Sabastião Nolasco
Iluminação: Camila Emílio
Cenário: Grupo Uai!
Fotografia: Ronald Péret e Kherian Gracher
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Cena curta apresentada na V semana de artes - Defenda a sua arte da Universidade Federal de Ouro Preto. Vencedora na categoria melhor esptáculo.

domingo, maio 17, 2009

Tempo quente!

Um aceno pela conta. Tempo quente! Tudo em volta dissolvendo. Na padaria leio um jornaleco vagabundo. Jornal: R$ 0,25. De super e interessante nada. Nada que se possa levar a sério. Uma ou outra notícia enquanto futilidade perde-se de vista. Mas fazer o quê? O tempo precisa passar. Sobre a mesa: copo de plástico transbordando de café quente e ralo, o cinzeiro em brasas. Café + cigarros: R$ 4,25. De morno apenas eu. Na parede o relógio derretendo assim como em Dali, a minha volta pernas que trançam e olhares ao horizonte. Todos derretendo! E é melhor assim. De pernas e olhos estou cheio. Transbordando como o café ralo, amornado, amortecido, assim como as batidas em meu peito dissolvido. “Clima confuso”, ressalta a manchete do jornal que parece esfarelar-se em minhas mãos, como se fosse para mim um indicativo. O tempo precisa passar antes que tudo se misture e meu peito esfrie. Água no norte, geada no sul e os porcos: no espaço. Conta sobre a mesa: R$ 4,50 + uma caixinha de fósforos. R$5,00 de troco de uma nota de R$10,00 dissolvida. A solução talvez esteja em migrar para o sul. Em tempos frios eu pareceria arder, nem que seja por conta da gripe. Então as coisas deixariam de dissolver diante dos meus olhos como se a culpa fosse minha. Amornado, amortecido. E talvez seja! Mas fazer o quê, se o tempo queima e o dia dissolve continuamente?

domingo, maio 03, 2009

Em vermelho!

Tão grande e suave quanto os grãos de sal na água do mar.
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aventura descompromissada no campo das imagens
[fotografia modificada assustadoramente no photoshop: renato ribeiro]

quinta-feira, abril 09, 2009

Ora pombas!


Merda! E o mundo despenca sobre nossas cabeças. Perece. Distraídos com o movimento da rua que os olhos dão conta de ver, esquecemos simplesmente de olhar para o alto. Aqui em baixo: pessoas com suas neuroses andando a passos largos. Visão fosca. Fusco. Ofusco. Fuscas. Motos ensurdecedoras. Deveria haver uma previsão de revoadas, assim como a da temperatura do dia seguinte. Utilidade mesmo a TV não informa. Fatalidade. Fatilidade. Futilidade. Afinal de contas, o mundo despenca sobre nossas cabeças e a única coisa que sei, é que amanhã fará 37°. O resto é distração. Ou provocação. Ou desilusão. Ora pombas! Sorte de quem está nas alturas. “Estamos começando mais um Jornal Nacional”, avisa o bar da esquina. Merda! Sorte dos animais que voam. Se tivesse uma arma em punho despencavam três. No ibope: subiriam três. O perigo mesmo estaria em errar e ter que lidar com a bala voltando rumo a minha testa. Cusparada de merda. Chuva de chumbo. Mais um ponto no ibope. Agora, com esta praga de pombo rodeando a minha cabeça, ponto mesmo, só escorrendo pela cara. Merda!
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[renato ribeiro]

segunda-feira, março 30, 2009

No blog abaixo há um texto que achei super interessante. Vale a pena ler, nem que seja apenas por curiosidade.

http://nao2nao1.com.br/beijo-e-sexo-sao-coisas-que-nao-existem/

Céu!

Céu como os seus. Distraído! E eu o observo atento. Absorvo! Sentindo gotas distraídas caírem sobre o rosto, enxergando o pesado mover das nuvens encharcadas e ao pé do ouvido, o vento assobiando como se deixasse uma secreta mensagem. Seus! Desejaria respirar aliviadamente, como se os costas já não pesassem tanto e os olhos não tivessem mais a necessidade de abrir. Longo e abrasador, assim deveria ser ao olhar para o céu.

segunda-feira, março 23, 2009

Horas.

Hoje respirei os sabores do dia.
Sol,
vento,
chuva no fim da tarde.
Ingênua contemplação da beleza despretensiosa.
Sensação completa de gosto, de cor, de forma.
Sem ato ou efeito premeditado.
As horas,
estas transcorreram sutilmente.
O breu se firmou;
estrelas foscas, pouca cor na noite.
Ingenuidade minha pensar que duraria mais.

[renato ribeiro]

quinta-feira, março 19, 2009

Mistura.

La columna Rota - Frida kahlo

quinta-feira, março 12, 2009

O louco, a morte e a imperatriz.

Está o louco sentado a beira de um precipício. Ele tem em suas mãos uma vara com uma trouxa. A morte se aproxima do louco suavemente.

A morte: (aproximando-se) O que faz sentado aí?
O louco: (sem assustar-se) Vou me jogar...
A morte: Antes de qualquer coisa, me explique o que aconteceu. Talvez possa ajudar em alguma coisa.
O louco: Disseram ao imperador, que era capaz de alegrar qualquer pessoa. Mas não é verdade. Às vezes eu preciso de uma dose extra de coragem para me arriscar a colocar a cara a tapa. Como o imperador corta a cabeça de todos que não o atendem, quis adiantar o trabalho.
A morte: Por que não aproveite o momento para fazer o que sempre quis. (pausa) É uma boa oportunidade para cumprir a sua libertação.
O louco: É o cão que me persegue. Olham para mim e não enxergam nada.
A morte: Se quiser eu posso te acompanhar.
Louco: (mudando o tom) Me acompanhar em pantomima mesmo sem saber qual?
A morte: Dou um jeito. A gente muda e no fim tudo dá certo.
O louco: Você fala com uma segurança que assusta.
A morte: Levante-se daí. Vamos até o palácio, o que importa agora é o pedido do imperador...
O louco: O que importa agora é o pedido do imperador. Acompanha-me então?
A morte: Sim...

No castelo, com o salão principal lotado de nobres, estão a morte e o louco frente ao trono do imperador.

O louco: Ele ainda não está. (pausa) Acho melhor irmos embora...
A morte: Já está aqui. Não é hora de hesitar...
O louco: É uma mudança grande demais. Apresentar-se ao imperador assim, sem antes passar por uma preparação... é loucura.
A morte: Quem foi que disse ao imperador que era capaz de alegrar qualquer um?
O louco: Não sei. Essa história chegou ao ouvido dele por meios de boatos.
A morte: Sinal de que deve se arriscar. Não seja ingênuo e faça o que está destinado a fazer.
O louco: E se der errado?
A morte: Só tentando para saber.
O N° 15 entrando em cena
N° 15: Atenção! Atenção! Gostaria de comunicar a todos que o imperador não poderá assistir a apresentação.
O louco: Mais uma mudança...
A morte: Uma fatalidade...
N° 15: Sendo assim a imperatriz ocupará o lugar que estava destinado ao imperador.
A morte: Uma fatalidade para o bem...
Ouve-se tocar as trombetas
N° 15: Apresento a todos que aqui se encontram, a imperatriz.
Entra em cena a imperatriz, com passos solenes até chegar ao trono e assentar-se.
A imperatriz: (ao louco) Ouvi dizer que é capaz de alegrar qualquer pessoa. Gostaria de saber se é mesmo verdade o que dizem por aí.
O Louco: E se não for?
A imperatriz: Perde a cabeça... (ri escandalosamente) No mínimo terá que dar explicações a todos que se desprenderam de suas casas para virem até aqui se divertirem, mas acredito que seja capaz de nos divertir durante um bom tempo.
A morte: Ele está pronto.
O louco: (para a morte) Mas o que eu faço?
A morte: Seu melhor número...
O louco: (enchendo-se de coragem e tomando a frente) Senhoras e senhores, hoje eu farei um número nunca tentado antes. Um número que só tenho experimentado em minha cabeça...
A morte: Continue...
O louco: Um número de loucura!!!
(Todos aplaudem fervorosamente)
A imperatriz: Parece-me que o senhor faz justo a fama que tem. Nunca houve antes outro que os deixassem tão eufóricos como agora. Permita-me fazer um apontamento. Já que é um número ainda não testado, gostaria que fosse mais além, e que deixasse sua marca nesse palácio...
O louco: Uma marca...
A morte: Com certeza deixará uma marca tão bem marcada que todos jamais esquecerão.
O louco: (Apreensivo) Senhoras e senhores, dando continuidade ao número, eu solicito um voluntário. (Silêncio. Apreensão de todos)
A morte: Eu me disponho.
A imperatriz: Não!!! Eu quero ser o voluntário. Eu quero ser a primeira.
O louco: Mas senhora...
A imperatriz: A iniciativa é inteiramente minha. Além do mais, gosto de colaborar com o progresso. Em algo nunca tentado, em algo novo, tenho que dar a minha contribuição. Deixar dentro desta marca, uma segunda marca que será tão lembrada quanto à primeira.
O louco: Mas senhora...
A imperatriz: Está decidido!!! Eu serei a voluntária.
(Todos novamente aplaudem fervorosamente)
N°15: Tem certeza imperatriz?
A imperatriz: Está decidido N° 15. Louco, dê continuidade ao seu entretenimento.
O louco: De dentro desta trouxa, trago meus pertences mais íntimos. E em meio deles há uma corda. (abre a trouxa) Essa corda. Que por vezes tentei me enforcar com ela sem sucesso. É uma falsa corda. Capaz de dissolver qualquer nó, desde o mais simples até o mais cego.
A morte: Houve uma mudança grande demais...
O louco: Cara imperatriz gostaria que colocasse o seu pescoço no laço que farei, pendurarei a corda na pilastra mais alta e puxarei a fim de enforcá-la...
Todos os espectadores: Oh...
O louco: Não se preocupem. No momento exato o nó será desfeito... e nada de mal acontecerá com a imperatriz.
(apreensão geral)
A imperatriz: Vamos logo ao número...
(O louco passa a corda pelo pescoço da imperatriz e a pendura numa pilastra do salão. A imperatriz sobe em seu trono.)
A morte: Um novo dia vai começar.
O louco: Estou fazendo tudo como sempre imaginei. A estrutura já está armada. E num rufar de tambor a imperatriz irá pular... Que rufem os tambores... (os tambores rufam) no ‘três’ imperatriz. Um... Dois... Três...
(A imperatriz salta, mas o nó não se desfaz e ela acaba sendo enforcada.)
Todos os espectadores: Oh...
O louco: Está aí a grande marca!!!
(todos riem e aplaudem muito ao ver o corpo da imperatriz dependurado)
A morte: O progresso!!!
(todos aplaudem mais e mais, algazarra geral)
O louco: A marca dentro da marca. Hoje vai ser um dia jamais esquecido, tamanha foi à alegria que dei a todos. Uma apresentação digna de um festival burguês, ou de uma feira medieval. E agora eu pergunto a todos vocês se sabem qual foi o objetivo de toda essa festa? Alguém saberia me responder...? (Todos param subitamente) A resposta é simples... não há objetivo algum. Tudo o que aqui aconteceu foi por puro divertimento. A imperatriz está com a corda no pescoço por puro divertimento. Vocês aplaudem por que se divertiram. E eu pularei do precipício por divertir vocês. Acabou a feira.
A morte: Completou a sua libertação...

[renato ribeiro]

quinta-feira, março 05, 2009

Sobre o sono e a personalidade.

Hoje pela manhã assisti à uma reportagem sobre um estudo feito pelo Professor Idzikowski (diretor do Serviço de Avaliação e Aconselhamento sobre o Sono, em Londres) com cerca de mil pessoas, onde dizia que traços da personalidade de uma pessoa podem ser compreendidos pela forma em que ela dorme. Neste estudo foram apontadas as seis principais forma em que costumamos dormir, às quais cito abaixo. Apesar de, particularmente, achar que as definições são um tanto quanto genéricas, resolvi postar aqui o resultado deste estudo, pois as características dadas pela forma em que durmo, coincidiram bastante com os traços de minha personalidade. Segue abaixo o quadro e as definições referente a cada posição.



Fetal (The Foetus) 41%: Os que dormem nessa posição aparentam ser fortes mas na realidade são sensíveis. Quando conhecem pessoas novas ficam inseguras no começo,mas depois se soltam. Está é a postura mais comum, usada por 41% das pessoas que participaram do estudo.

Tronco de Árvore(The Log)15%: Deitado de lado com ambos os braços alinhados. Os que dormem assim são pessoas extrovertidas e sociáveis, adoram fazer parte de grupos sociais, e confiam em desconhecidos. Por outro lado, podem parecer ingênuos.

O Aspirante (The yearner) 13%: As pessoas que dormem assim de lado com braços estirados de frente parecem ser pessoas de naturais e abertas, embora também podem ser receosos e cínicas. São lentas na hora de tomar decisões, mas uma vez tomadas é muito difícil fazer-las mudar de opinião.

O soldado (The Soldier) 8%: Popular de barriga para cima, com os braços esticados. São geralmente reservados e não gostam de agitação, fixam-se em grandes metas.

Queda Livre (Freefall) 7%: Deitado de barriga para baixo com os braços ao redor do travesseiro. São pessoas sociáveis, descaradas, neuróticas, as vezes susceptíveis e odeiam as criticas e situações extremas.
Estrela do Mar (Starfish) 5%: Deitado de barriga para cima com os braços encima do travesseiro. As pessoas que dormem assim são bons amigos, porque sempre estão dispostas a escutar os outros, e proporcionar ajuda quando necessário. Não gostam de ser o centro das atenções.

Fonte: BBC

terça-feira, março 03, 2009

[outras bocas]

Vulcões
Florbela Espanca

Tudo é frio e gelado. O gume dum punhal
Não tem a lividez sinistra da montanha
Quando a noite a inunda dum manto sem igual
De neve branca e fria onde o luar se banha.

No entanto que fogo, que lavas, a montanha
Oculta no seu seio de lividez fatal!
Tudo é quente lá dentro…e que paixão tamanha
A fria neve envolve em seu vestido ideal!

No gelo da indiferença ocultam-se as paixões
Como no gelo frio do cume da montanha
Se oculta a lava quente do seio dos vulcões…

Assim quando eu te falo alegre, friamente,
Sem um tremor de voz, mal sabes tu que estranha
Paixão palpita e ruge em mim doida e fremente!

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

Céu com brilho de estrelas

Olhos atentos às correntes gélidas que movem os céus,
aos acentos que marcam os tempos
E que sensivelmente demarcam o espaço
cerceando pontas mais escuras.

Infinitamente esticam-se os longos braços.
Buscando abraçar nuvens cinzentas,
e confortar brilhos que findam lentamente.

Então, agarrado ao que ainda é querido:
céu com brilho de estrelas;
olhos arregalados e braços estendidos
Aspiram, expiram, transpiram.

[renato ribeiro]

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

"Beleza Americana"? Cinzas!

Se o carnaval de Ouro Preto sonhar em tomar o mesmo rumo que é apontado pelo filme, aí sim estaremos perdidos. A quarta-feira de cinzas realmente será com a cidade encoberta pelo pó.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

Sobre o carnaval...

Eu particularmente não gosto de carnaval. Sem muitas justificativas para isso. É um período que tento hibernar, colocar a leitura em dia talvez, ou assistir aos filmes que estou afim. Tento.

No ano passado jurei que não sairia. Que ficaria quieto em casa. Mas paguei língua. Fui à rua, dancei Funk, bebi... enfim fiz tudo ao contrário do que disse. O porquê eu não sei. Talvez por uma experiência estética. Neste ano não jurei nada, apenas fiz planos. Juramento pesa, além de nos fazer pender para o outro lado, como uma atração pelo proibido.

Prefiro o sossego à baderna. Eu aprecio o silêncio. Está aí um dos motivos que poderiam justificar o porquê de não gostar do carnaval. Barulho. Seja pelos blocos passando na rua direita, que absurdamente soam no Antônio Dias (local onde moro), ou pelos foliões que ao voltarem para casa num trocar de pernas que desafia qualquer lei da gravidade, insistem em falar em alto volume (para não dizer berrar) pela rua afora, interrompendo o meu sagrado sono. A cidade não se cala nesses dias.

Mas apesar dos meus gostos pessoais, o carnaval está aí. Vejo as pessoas eufóricas por estes dias de intensidade máxima há contar os minutos. Esse ano eu não pretendo ter nenhuma experiência estética como a do ano passado. Resguardo! Hibernação! E enquanto isso, eu faço a minha listinha de filmes que pretendo assistir ou reassistir.

1. Moulin Rouge (pela miléssima vez);

2. Amelie Poulain;

3. Casablanca;

4. Sangue negro;

5. (...)

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sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Pequena notável.

Faltavam apenas cinco dias para o início do carnaval e Vitinho, manicure arisco que morava num pequeno barraco no morro, esperava ansiosamente para que chegassem os dias do festejo. Neste carnaval, diferentemente dos outros, Vitinho não queria o desgaste de ter que arrematar com pedras e paetês um tecido cru qualquer, numa tentativa de dar brilho a um farrapo para torná-lo apreciável. Tão pouco queria uma velha fantasia usada. Vitinho esperava vestir-se com uma exuberante fantasia, pela qual ficou encantado por todo o ano, e para isso, juntou dinheiro durante meses, trabalhou o dobro do que normalmente trabalhava, viu as unhas que tratava multiplicaram-se. A fantasia pela qual Vitinho ficou enamorado era uma linda fantasia de Carmem Miranda. Tecido de brilho intenso e em cores fortes. “Pequena notável!”, eram as únicas palavras que saiam da boca dele ao referir-se a tão sonhada fantasia.
Toda essa euforia em vestir-se bem no carnaval vinha de um desejo que ele carregava consigo desde muito pequeno. No morro, onde era conhecido por todos, Vitinho costumava dizer por entre as ruelas pela qual passava, que um dia iria para a Europa e que lá sim, teria uma vida de gente. Longe deste povo grosso que com que ele não cessava de esbarrar por entre os becos e de barracos sujos e fedidos que mal suportava; por isso procurava sempre em vestir-se da melhor maneira possível durante o carnaval, pois tinha a certeza de que um gringo haveria de se encantar por ele. Por ele e pelo brilho ardente de sua fantasia.
Uma vez com o dinheiro em mãos, não esperou um segundo sequer em adiantar o passo e comprar a impecável “Pequena notável”. E assim ele queria ser durante o carnaval: impecável! Havia até decorado meia dúzia de canções da Carmem Miranda que aprenderá por um velho vinil que comprou num brechó fuleiro.
De posse da fantasia, sempre que o tempo permitia, Vitinho vestia-se dela e ficava tempos frente ao espelho admirando-se, enquanto ensaiava pequenos trejeitos e as canções. Logo após a guardava cuidadosamente na gaveta de um velho armário. A euforia repicava em seu peito como um tamborim em efervescência em plena terça-feira de carnaval, toda vez que abria ou fechava a tal gaveta.
Faltando apenas dois dias para o início do festejo, enquanto voltava do trabalho, Vitinho esbarrou por entre as ruelas com um sujeito desconhecido que o encarou brutamente. Vitinho, que até o momento do esbarrão assobiava um das canções decoradas, pediu-lhe licença para passar e tentou, sem sucesso, desviar-se do homem que, com um movimento brusco, agarrou-o pelo braço e o prensou de costas na parede, dando-lhe um beijo tão forte que chegou a machucar-lhe os lábios. Intenso! Notável! Vitinho que ora resistia, ora se postava em dúvida, acabou cedendo aos caprichos daquele trancudo homem - apesar de achar que não teria escolha. Levou-o para seu barraco naquele fim de tarde sem medo algum, e se entrelaçaram como dois animais selvagens; ele e o desconhecido.
Horas depois, Vitinho se encontrava deitado na cama ao lado homem a ouvir breves histórias. Dizia ele ter se mudado há pouco tempo para aquela parte do morro; que observava Vitinho por semanas; que já o desejava há tempos e que sendo do desejo de ambos, morariam sob o mesmo teto a dividir despesas e sentimentos. Vitinho acreditava que vestido com a fantasia que comprou - tamanho era o brilho que ela tinha - as chances seriam maiores de encontra-se com o gringo que o daria uma vida de verdade, e justamente por pensar assim, preferiu não responder nada ao homem. Queria primeiramente esperar o carnaval passar. Com a proposta latejando na cabeça, Vitinho emudeceu, deixando o não mais tão trancudo homem contando suas breves histórias, que já não eram mais tão breves, e por fim adormeceu.
Pela manhã, do homem que se encontrava deitado em sua cana, restou apenas o cheiro e o amassado deixado no lençol. Vitinho então se levantou como se a presença daquele sujeito não tivesse passado por ali. Re-esquentou o café que estava sobre o fogão e enquanto se arrumava para ir trabalhar, como numa ação programada, decidiu vestir-se com a fantasia para mais uma vez sentir-se notável! Trejeitos e canções. Ao abrir a gaveta do velho armário onde a guardava, sentiu sobressaltar seu coração em seu sufocado peito, ao notar que a fantasia já não estava mais lá. O homem, que horas antes lhe propôs um casamento, havia lhe roubado. A estimada fantasia havia sido roubada. E num desespero crescente, Vitinho abriu a porta de seu barraco e num só fôlego gritou: “Socorro! Socorro! Fui roubado... Roubaram a “Pequena notável”... Pega ladrão”. Mas há esta hora já era tarde. Nenhum outro apareceu na janela para atender aos berros de Vitinho. Desfazendo-se, ele entrou para casa e encolheu-se na cama soluçando. Nem se deu ao trabalho de ver o que mais havia sido levado. Era o fim do carnaval para ele, antes mesmo da terça-feira. E por ali passou o dia, encolhido na cama. Não foi trabalhar, nem fez mais nada durante todo o dia.
À noite, quando o relógio marcava altas horas, e faltando menos de um dia para o início dos festejos, Vitinho levantou-se da cama, pegou um pedaço de tecido já em trapos que estava guardado no fundo de uma velha mala e se pôs a costurar uma nova fantasia enquanto cantarolava, ainda entre soluços, as canções aprendidas da Carmem Miranda.
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[renato ribeiro]

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Suspenso.

Sob o céu em chamas,
sussurros e suspiros
sustentam as sucessivas
tentativas de suprimir
os suspenses [in]suspensos.
Seus suspensos suspiros!

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Invisíveis.

Começou assim: eu sentado na sala de espera de um consultório, segurando uma revista nas mãos. Há minha frente um quadro. “Silêncio!”, era o que dizia. Sem sussurros, sem nada. Mudo. Indicação batendo no meu rosto, pronto para me apontar ao menor ruído. Restou-me ficar calado. Ao meu lado há uma mulher gorda com respiração ofegante suando sem parar. Vestido florido, rosto cansado, bijuteria barata no pescoço. Eu: check-up. Rotina. Exame de sangue. Glicose. Colesterol. HIV. Nada demais. Ela: dezenas de papeis nas mãos. Guias. Receitas. Uma tosse que não cessa. Para ela é mais que rotina. Tosse... Tosse... Tosse... Para ela o quadro não grita: “Silencio!”. Os dedos não são apontados. A sala: quase vazia. A atendente chega a cabeça por uma porta entreaberta e chama por um nome. É o nome dessa mulher gorda. “Esse calor ainda me mata”, diz a mulher suando ainda mais, que ao levantar-se, deixa cair no chão todos os papeis que trazia em mãos. A cabeça à porta, já não se encontrava mais. Os outros, ali presente, absortos por seus pensamentos. Invisíveis. Apenas a mulher e eu parecíamos estar ali. Mais ela do que eu. E mais tosse... tosse... tosse... Sutilmente, num ato de gentileza despretensiosa, me aproximo dela e dos papeis ao chão com a intenção de ajudá-la. Guias. Receitas. Alguns cartões. Exames. “Ainda morro assim!”, foi o que ela disse após tê-la ajudado. Para ela o quadro não gritou “Silêncio!”. A mulher seguiu e atravessou a porta. “E afinal, morre assim como?”, pensei atrasadamente enquanto recolhia-me à cadeira. Sem saber, só me restou ficar ainda mais calado – como se fosse possível. Tic-taquear do relógio zunindo no ouvido sutilmente. Revistas folheadas. Minutos depois, atravessando a mesma porta pela qual entrou, surge a mulher gorda. Desta vez com umas amostras grátis nas mãos, além de toda aquela papelada, que agora trazia junto a seu corpo. Tosse... Tosse... Tosse... e papeis ao chão. Tudo espalhado como antes. “Ainda morre assim!”, disse à mulher gorda, que com um único movimento apontou para o quadro que agora gritava mais que nunca: “Silêncio!”.
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[renato ribeiro]

domingo, fevereiro 01, 2009

[outras bocas]

Traduzir-se

Uma parte de mim é todo mundo
Outra parte é ninguém, fundo sem fundo

Uma parte de mim é multidão
Outra parte estranheza e solidão

Uma parte de mim pesa, pondera
Outra parte delira

Uma parte de mim almoça e janta
Outra parte se espanta

Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente

Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte linguagem

Traduzir uma parte na outra parte
Que é uma questão de vida e morteSerá arte ?

Ferreira Gullar

sábado, janeiro 24, 2009

Cafeína.


O relógio despertou. Ensurdecedoramente. Olhar denso. Pensamentos soltos. Queria dormir mais! Chinelos arrastados. Roupão mal vestido. Cabelos desgrenhados. Com o fogão acesso, leiteira sobre a chama. Fervura pó coador. No jornal: ApossedeObamaOvestidodaprimeiradamaAesperançamundial. Crise. Espero não quebrar a cara. Queria dormir mais! Corpo cansado. Trabalho. Queria dormir mais! Fervor, água, pó preto, café preto forte amargo. Estimulante, asfixiante, anabolizante, antidepressivo. Talvez seja disso que o mundo precise. Mais cafeína. Rádio ligado. Roberto Carlos: “Como é grande o meu amor por você”. Canção para pessoas ingênuas. Eu estou vacinado. Rubéola. Hepatite. Apaixonite. De mim ninguém tira nada. Não quero metade de um fogão. Queria dormir mais! Cigarro fogo fumaça. Amor: pra quê? Por quem? De quê? Cabelos desgrenhados não conquistam ninguém. Nem cafeína. O Obama está lá. Família feliz com uma bomba relógio nas mãos. Eu aqui, com apenas um relógio na sala. A bomba já explodiu faz tempo. “Como é grande...” Isso nunca. “(...) o meu amor por você”. Otário! È disso que ele está falando. Queria dormir mais. Trabalho. Colocar o relógio para despertar novamente e dormir mais. É isso ou mais estimulante, asfixiante, anabolizante, antidepressivo.
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[renato ribeiro]

quarta-feira, janeiro 21, 2009

O telefone


Trinnn... Trinnn... O telefone tocou. Eu estava dormindo no sofá quando acordei assustado com o barulho. Levantei ainda muito sonolento, arrastando os chinelos pelo tapete da sala, até que depois de vários toques cheguei perto do aparelho. Atendi, mas era tarde. A ligação caiu. Tu, tu, tu... Sem bina, sem pressa, esperei que a pessoa ligasse novamente. “Se for importante liga novamente” pensei enquanto recostava na cadeira da mesa da sala de jantar próxima do telefone. Cadeira dura; em frente, uma janela que dava para o quintal. No quintal: plantas amareladas, uma frágil jabuticabeira que mal dava jabuticabas – está morrendo – e um chão coberto de uma grama maltratada e folhas secas. Meio da tarde. Três, cinco, sete minutos e eu olhando aquela paisagem que parecia pedir socorro. O telefone: mudo. Vez em quando, passava próximo à janela um pássaro qualquer, que num piscar fazia um giro e ia embora. Tic-tac, tic-tac... O tempo passando e eu observando atentamente o sutil balançar dos galhos e as folhas caídas que pareciam ensaiar um modesto balé rasteiro. Aquele ar seco. E o telefone: mudo. Talvez não fosse importante. Vendedor, ou engano, ou parente... “Voltar para o sofá.”, pensei. “E se tocar novamente?”, adiante com meu pensamento. “Devo ficar sentado aqui. Bem quieto. Gastando o mínimo de energia possível.”, concluí. O dia estava insuportavelmente quente. Fim de tarde, mas o sol parecia estar a pino. Um dia amarelo e quente. Mesmo vestido apenas com uma leve camiseta branca e um calção azul marinho sentia o suor escorrer pelo meu rosto. Litros... ãh... Fadiga. Cansaço. Morbidez. Enquanto o telefone não tocava, eu olhava para fora, para aquela paisagem enquadrada pela janela da sala. “Morrendo aos poucos.”, pensei. Na jabuticabeira, que mal sustentava as folhas em si, surgiram centenas de pontos pretos que a cobriram por completo, preta, como nunca havia ficado antes, fazendo contraste àquele dia amarelado, hepático; assim imaginei. Tudo estava lá. Parado. Sem sopros de vento, quase que imóvel. Imóvel... I’m... Móvel... Através daquela moldura enferrujada, como se rasgasse aquele quadro quase morte, um pequeno ponto de cor diferente, que dissolvia as centenas de pontos pretos que imaginava, surpreendeu-me. Um pequeno ponto marrom, quase um pedaço de casca de madeira, e saindo desse ponto fazendo um esforço incomum, um par de asas de cores fortes e vibrantes. Em meio aquela paralisia doentia, um pequeno ponto de fortes cores esforçando-se ao máximo para romper a prisão de fios de seda. Decidida, sem contenção de energia. Daquele casulo, pouco a pouco, foram saindo asas tão coloridas, tão contrastantes, que a paisagem amarelada pereceu perder-se no ar. Ufa! Em meio ao ar seco e o sol quente, após o máximo de esforço, saiu voando um par de pequenas asas delicadas, que se aproximaram da janela, assim como o passarinho, dando um sutil giro. Após girar, foi embora abandonando aquele quadro amarelado. Tic-tac, tic-tac... Trinnn... Trinnn... O telefone. Levantei-me ainda com a imagem da borboleta em minha cabeça e diante do telefone que tocava insistentemente pensei, “vendedor, ou engano, ou parente...”. De súbito, decidi não atender. Trinnn... Trinnn... Trinnn... Trinnn... “Asas coloridas que me levariam para longe dali”, pensei. Ignorei então o telefone e saí de casa, abandonando aquela paisagem amarela, contrastando como o dia parado.
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[renato ribeiro]

terça-feira, janeiro 20, 2009

[outras bocas]

Dois...
Apenas dois.
Dois seres...
Dois objetos patéticos.
Cursos paralelos
Frente a frente...
...Sempre...
...A se olharem...
Pensar talvez:
“Paralelos que se encontram no infinito...”
No entanto sós por enquanto.
Eternamente dois apenas.

Pablo Neruda

terça-feira, janeiro 13, 2009

Do outro lado do muro.


Há um muro alto. De um lado do muro um menino; Artur, oito anos de idade, menino quieto e que possue uma curiosidade extrema, leitor assíduo de todos os livros de mistério. Ele gosta de mistérios!

Artur deseja ver o que existe do outro lado do muro, mas por ser pequeno demais, bem abaixo do tamanho normal dos meninos de sua idade, não consegue.

Este muro, que de tão alto parece cercar todo o quarteirão, é encoberto por árvores grandes dotadas de um verde nunca visto em nenhum outro lugar. São belíssimas as árvores, grandes e imponentes. Nele existem diversas palavras escritas, algumas em português, outras em alemão, inglês, grego... e até em russo. Não se sabe quem as escreveram. Artur, o menino que deseja ver o que tem do outro lado, não compreende nem um terço daquelas letras grafadas ali. Para ele isso é um mistério. Para ele e para muitas outras pessoas.

O alto muro é vigiado por um velho que faz uma ronda de quinze em quinze minutos. Todos os dias. Sábados, domingos e feriados. Não se sabe muito a respeito dele. Mistério! Dizem que ele é mudo; o cochicho que soa por entre a turma de meninos do bairro é que o velhoguardamuros, como é chamado por todos, emudeceu no dia em que viu o que havia do outro lado do muro. Talvez seja por este motivo que ele o vigia com tanto cuidado, para que ninguém mais fique mudo.

Em sua ronda, o velhoguardamuros traja um pesado casaco preto cheio de bolsos e carrega consigo um pequeno balde. O que há dentro do balde ou dos bolsos não se sabe. Seria, para aquele quarteirão, mais um dos incontáveis mistérios.

Para Artur, do outro lado do muro, há um enorme campo com milhares de tulipas amarelas, tão brilhantes como a luz do sol, exatamente como estava descrito num livro que acabara de ler. “Milhares de tulipas”, assim ele pensava. A solução que lhe cabia, para comprovar se sua teoria estava certa ou não, era esperar que crescesse o suficiente para espiar por cima do muro. Mas havia um porém, se esperasse por tanto tempo, o mar de tulipas que ali floresciam, murchariam e morreriam. Então o campo de tulipas, deixaria de ser um campo de tulipas.

“O que fazer?”, pergunta insistente na cabeça do menino. Ele não poderia esperar por tanto tempo assim, e isso era um fato.

Tendo pensado por horas a fio sobre como sanar sua curiosidade sobre o outro lado do muro, o menino chegou à conclusão de que a única coisa que poderia fazer, para não ter que esperar tanto, era furar o muro. Fazer um pequeno furo de modo que desse para ver através dele o que há do outro lado. Assim, esse mistério estaria resolvido e a conclusão de sua teoria também.

“Está decidido!”, exclamou o menino. É exatamente isso que Artur fará. Precisaria apenas marcar o horário certo da ronda naquele ponto onde estava, para não ser surpreendido pelo velhoguardamuros. E assim foi.

Observou, marcou o tempo e com um pequeno martelo, que pegou escondido em sua casa, fez o furo. Estava lá. Um dos mistérios está para ser solucionado.

Artur aproximou o seu olho do buraco feito, lentamente para não estragar a surpresa daquele momento, e pronto. Estando o olho onde deveria estar, bastava abrir. E ele abriu.

Surpresa mesmo foi quando viu que do outro lado não havia um vasto campo de tulipas como imaginou, mas uma pequena rua com um outro muro em seu lado oposto.

A decepção foi tão grande, que no mesmo instante ele pegou no chão uma pequena pedra e rabiscou no muro um palavrão que não cabe reproduzir aqui, de tão ofensivo que era. Jamais imaginaria que aquele menino soubesse escrever palavra tão parecida como a que escreveu.

Passado alguns minutos, o velhoguardamuros veio refazer a sua vigia. Artur, vendo-o se aproximar, largou a pedra que ainda estava em sua mão no chão e correu o mais rápido que pode. Mesmo atordoada por uma decepção tão grande, não queria ser surpreendido ali, no local do crime.

O velhoguardamuros caminhou até que chegou próximo ao buraco feito por Artur. Sem mudar a expressão, sem surpresa, ou qualquer reação que esboçasse algum tipo de alteração em seu estado, ele tirou de dentro do bolso uma pequena pedra do tamanho do buraco feito no muro, tampando-o e cobrindo-o com uma massa que estava no balde que carregava consigo. A pedra largada no chão por Artur, foi recolhida pelo velho e guardada em um de seus inúmeros bolsos. Feito isso, ele retornou a ronda.

Para Artur o mistério não estava resolvido. Para ele ainda há um campo de tulipas. O que deveria fazer agora é achar um meio de chegar até a rua vista por ele através do buraco no muro, e enquanto o velhoguardamuros não estiver por lá rondando, fazer um novo furo, pois atrás daquele muro haveria sim um campo de tulipas, não amarelas como anteriormente imaginado por ele, mas desta vez azuis, tal qual a cor do mar.
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[renato ribeiro]

sábado, janeiro 10, 2009

Quadrilha

(Carlos Drumond de Andrade)

João amava Teresa, que amava Raimundo,
que amava Maria,que amava Joaquim, que amava Lili,
que não amava ninguém.

João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

quarta-feira, janeiro 07, 2009

[bodas]


Um casal sentado à mesa; cada um numa extremidade desta. A mesa possue várias gavetas e sobre ela há pratos para cada um, talheres, duas taças, uma garrafa de vinho e um castiçal com velas apagadas. Os dois são casados há muito tempo, mas não são velhos. O homem não tem o pé direito e a mulher não tem a mão esquerda.

(Ouve-se o chiar de uma panela de pressão e alguém batendo na porta constantemente).

Homem – Estão batendo na porta.
Mulher – É... já faz tempo que a panela de pressão está chiando.
Homem – Eu acho que é um novo moço. Deve ter vindo buscar a prestação do lençol que comprou.
Mulher – Qual?
Homem – O preto.
Mulher – Não, o feijão que eu estou cozinhando é o roxo. Não tinha feijão preto. No almoço eu vou fazer feijão temperado.
Homem – Maravilhoso!!!
Mulher – Feijão com fígado, orelhas, rins, pé...
Homem – Já estava na hora dele passar. Não dá para ficar guardando o dinheiro sempre.
Mulher – E costela.
Homem(pegando um carnê) Ah, não. Isso não. Eu não gosto.
Mulher – Vai ficar bem cozida.
Homem – Tem três meses. Estou olhando aqui no carnê. Tem três meses que o cobrador não passa aqui em casa. Desde o dia da reforma do banheiro. Isso não dá.
Mulher – Não vai querer então?
Homem – Eu não vou mais pagar. O problema é dele, substituísse antes.
Mulher – Vou fazer sem costela. (Pausa) Realmente, melhor seria se fosse feijão preto.
Homem – Eu nem sei por que você comprou.
Mulher – Ora, só tinha o roxo.
Homem – Lembro perfeitamente. Eu dizia: “o que vamos fazer com um lençol preto?” Ninguém dorme numa cama com lençol preto.
Mulher – Era o único que tinha.
Homem – O melhor era não ter comprado.
Mulher – Já faz dias que não comemos feijão. Um feijão temperado, gordo. Só de falar me dá água na boca. Adoro essas coisas. Chego a babar, chego a...
Homem – E eu não percebo? O lençol todo molhado pela manhã. E isso é quase toda noite. Tem que procurar um médico.
Mulher – Acha que eu tenho algum problema?
Homem – Pode ser.
Mulher – Mas da última vez que eu medi o meu colesterol ele estava bom.
Homem – Faz quatro meses que compramos o lençol.
Mulher – Quatro meses apenas. Não é hora de fazer um “check-up”. Se bem que engordei um pouco.
Homem(pensativo) Pode ser o feijão.
continua...

[renato ribeiro]

terça-feira, janeiro 06, 2009

Pensamentos de dez a quinze minutos: POLIAMOR

Fim de tarde, chuva caindo e eu encostado numa parede qualquer, sob a beirada do um certo telhado antigo, com a inútil intenção de molhar menos. Já perdi a noção das horas. Espero somente o ônibus passar para ir embora para casa. Ponto vazio, poucas transeuntes – eles parecem fugir. Da chuva realmente? Talvez. – e eu esperando. Relâmpagos transformam a noite. Não há estrondos, só clarões. Minutos depois surgem novas pessoas. O espaço é pequeno para tantas cabeças. Espremidos, esperamos juntos o ônibus, que por questão de segundos, vira a esquina. Abençoado seja.

Dou sinal, o ônibus para... “Passa pela praça?” Pergunto para uma pessoa que me responde com olhar de reprovação - fazer o quê, me confundo as vezes! Entro, pago, acomodo-me... Alguns pingos insistem em cair sobre minha cabeça devido a janela aberta. Prefiro me molhar um pouco mais, a fechá-la totalmente. Ônibus fechado me provoca enjôo. Mas apesar deste e de outros pequenos desconfortos corporais, transportes coletivos, em determinadas horas, tem lá as suas vantagens. Por distração acabamos percebendo o que distraídos não perceberíamos. Voltamos a atenção para o que normalmente não damos a mínima. Pensamos em coisas que normalmente havia caído no esquecimento, e que certamente retornará para lá. Como o Poliamor. Li sobre isso em uma revista que nem sequer lembro mais o nome. Pseudociência, certamente. É uma nova teoria sobre relacionamento que conheci e divulguei para alguns, poucos.

Poliamor tem o seguinte conceito: o ser humano pode amar mais de uma pessoa de igual maneira. Pois ele não é organicamente monogâmico. A monogamia é questão cultural. É um pensamento romântico.

Imediatamente pensei que quem defende esta forma de relacionamento é alguém inseguro. Tudo desculpa para não perder alguém. Insegurança! E mesmo assim, levantei esta bandeira por algum tempo. Fiz até propaganda, como disse. Fazer o quê? Sou dependente. Viciado em pessoas. Queria ter alguém junto a mim. Afinal, quem não quer. Mas aí vem a questão, vale a pena toda essa pluralidade? Confesso que a teoria convence, mas a prática surge com um fantasma assustador a tiracolo.

Como normalmente os pensamentos que brotam dentro de um ônibus não duram mais que dez a quinze minutos, e sem resposta para esta divagação baldada, eu torno a levantar e abaixar a bandeira do poliamor. Pois a pequena viagem já está por terminar e não desejo ter pseudociências martelando em minha cabeça.

Dou sinal, o ônibus para, desço correndo sob uma chuva fortíssima e rumo de casa. Ufa!!! No portão da varanda, na varanda, dentro de casa. Ainda restam alguns pensamentos sobre o poliamor. Insistente demais para quem já havia caído no esquecimento. Insegurança? Pode ser que seja. Ela persegue. Talvez seja disso que aquelas pessoas fugiam.

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Poema Dadaísta.


.................... nariz. .próprio.
..... culto .. risco .. raciocínio
............. amor mal .. personalismo .. azedam.
flexibilidade .. CERTO ........ maniqueíta conspiratório.
............... feroz, .... IDOLATRIA.
..................foto .... cego


[renato ribeiro]

Ruminar.

[foto: Patrícia Albuquerque]

domingo, janeiro 04, 2009

Mar.


E mais uma onda repousa sobre a areia quente, tão devagar quando o vôo do pássaro para além mar. Meus olhos acompanham o vai e vem dançante da água salgada, como num ninar manso e solitário. Dela não se sabe o que dizer, tão pouco o que esperar. Ao meu lado, tão suave quanto à brisa que transcorre o mar, ele observa atentamente a paisagem assim como eu, e dele também não tenho o que dizer, nem o que esperar. Bem como circulam imperceptivelmente pelo ar, os grãos de sal, meus pensamentos perpassam por longas conversas, sem ser sentido, nem absorvido pela pele do seu rosto, e nem uma imensidão esverdeada, ilustrada pela subtileza dos sons, fariam dos meus pensamentos correntes fortes, capaz de despertar por segundos, um outro olhar que não este que gentilmente me é oferecido. Desta forma, observo com cautela todos os segmentos presentes, como numa tentativa falida de montar um quebra-cabeça de areia.
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[renato ribeiro]