quinta-feira, março 12, 2009

O louco, a morte e a imperatriz.

Está o louco sentado a beira de um precipício. Ele tem em suas mãos uma vara com uma trouxa. A morte se aproxima do louco suavemente.

A morte: (aproximando-se) O que faz sentado aí?
O louco: (sem assustar-se) Vou me jogar...
A morte: Antes de qualquer coisa, me explique o que aconteceu. Talvez possa ajudar em alguma coisa.
O louco: Disseram ao imperador, que era capaz de alegrar qualquer pessoa. Mas não é verdade. Às vezes eu preciso de uma dose extra de coragem para me arriscar a colocar a cara a tapa. Como o imperador corta a cabeça de todos que não o atendem, quis adiantar o trabalho.
A morte: Por que não aproveite o momento para fazer o que sempre quis. (pausa) É uma boa oportunidade para cumprir a sua libertação.
O louco: É o cão que me persegue. Olham para mim e não enxergam nada.
A morte: Se quiser eu posso te acompanhar.
Louco: (mudando o tom) Me acompanhar em pantomima mesmo sem saber qual?
A morte: Dou um jeito. A gente muda e no fim tudo dá certo.
O louco: Você fala com uma segurança que assusta.
A morte: Levante-se daí. Vamos até o palácio, o que importa agora é o pedido do imperador...
O louco: O que importa agora é o pedido do imperador. Acompanha-me então?
A morte: Sim...

No castelo, com o salão principal lotado de nobres, estão a morte e o louco frente ao trono do imperador.

O louco: Ele ainda não está. (pausa) Acho melhor irmos embora...
A morte: Já está aqui. Não é hora de hesitar...
O louco: É uma mudança grande demais. Apresentar-se ao imperador assim, sem antes passar por uma preparação... é loucura.
A morte: Quem foi que disse ao imperador que era capaz de alegrar qualquer um?
O louco: Não sei. Essa história chegou ao ouvido dele por meios de boatos.
A morte: Sinal de que deve se arriscar. Não seja ingênuo e faça o que está destinado a fazer.
O louco: E se der errado?
A morte: Só tentando para saber.
O N° 15 entrando em cena
N° 15: Atenção! Atenção! Gostaria de comunicar a todos que o imperador não poderá assistir a apresentação.
O louco: Mais uma mudança...
A morte: Uma fatalidade...
N° 15: Sendo assim a imperatriz ocupará o lugar que estava destinado ao imperador.
A morte: Uma fatalidade para o bem...
Ouve-se tocar as trombetas
N° 15: Apresento a todos que aqui se encontram, a imperatriz.
Entra em cena a imperatriz, com passos solenes até chegar ao trono e assentar-se.
A imperatriz: (ao louco) Ouvi dizer que é capaz de alegrar qualquer pessoa. Gostaria de saber se é mesmo verdade o que dizem por aí.
O Louco: E se não for?
A imperatriz: Perde a cabeça... (ri escandalosamente) No mínimo terá que dar explicações a todos que se desprenderam de suas casas para virem até aqui se divertirem, mas acredito que seja capaz de nos divertir durante um bom tempo.
A morte: Ele está pronto.
O louco: (para a morte) Mas o que eu faço?
A morte: Seu melhor número...
O louco: (enchendo-se de coragem e tomando a frente) Senhoras e senhores, hoje eu farei um número nunca tentado antes. Um número que só tenho experimentado em minha cabeça...
A morte: Continue...
O louco: Um número de loucura!!!
(Todos aplaudem fervorosamente)
A imperatriz: Parece-me que o senhor faz justo a fama que tem. Nunca houve antes outro que os deixassem tão eufóricos como agora. Permita-me fazer um apontamento. Já que é um número ainda não testado, gostaria que fosse mais além, e que deixasse sua marca nesse palácio...
O louco: Uma marca...
A morte: Com certeza deixará uma marca tão bem marcada que todos jamais esquecerão.
O louco: (Apreensivo) Senhoras e senhores, dando continuidade ao número, eu solicito um voluntário. (Silêncio. Apreensão de todos)
A morte: Eu me disponho.
A imperatriz: Não!!! Eu quero ser o voluntário. Eu quero ser a primeira.
O louco: Mas senhora...
A imperatriz: A iniciativa é inteiramente minha. Além do mais, gosto de colaborar com o progresso. Em algo nunca tentado, em algo novo, tenho que dar a minha contribuição. Deixar dentro desta marca, uma segunda marca que será tão lembrada quanto à primeira.
O louco: Mas senhora...
A imperatriz: Está decidido!!! Eu serei a voluntária.
(Todos novamente aplaudem fervorosamente)
N°15: Tem certeza imperatriz?
A imperatriz: Está decidido N° 15. Louco, dê continuidade ao seu entretenimento.
O louco: De dentro desta trouxa, trago meus pertences mais íntimos. E em meio deles há uma corda. (abre a trouxa) Essa corda. Que por vezes tentei me enforcar com ela sem sucesso. É uma falsa corda. Capaz de dissolver qualquer nó, desde o mais simples até o mais cego.
A morte: Houve uma mudança grande demais...
O louco: Cara imperatriz gostaria que colocasse o seu pescoço no laço que farei, pendurarei a corda na pilastra mais alta e puxarei a fim de enforcá-la...
Todos os espectadores: Oh...
O louco: Não se preocupem. No momento exato o nó será desfeito... e nada de mal acontecerá com a imperatriz.
(apreensão geral)
A imperatriz: Vamos logo ao número...
(O louco passa a corda pelo pescoço da imperatriz e a pendura numa pilastra do salão. A imperatriz sobe em seu trono.)
A morte: Um novo dia vai começar.
O louco: Estou fazendo tudo como sempre imaginei. A estrutura já está armada. E num rufar de tambor a imperatriz irá pular... Que rufem os tambores... (os tambores rufam) no ‘três’ imperatriz. Um... Dois... Três...
(A imperatriz salta, mas o nó não se desfaz e ela acaba sendo enforcada.)
Todos os espectadores: Oh...
O louco: Está aí a grande marca!!!
(todos riem e aplaudem muito ao ver o corpo da imperatriz dependurado)
A morte: O progresso!!!
(todos aplaudem mais e mais, algazarra geral)
O louco: A marca dentro da marca. Hoje vai ser um dia jamais esquecido, tamanha foi à alegria que dei a todos. Uma apresentação digna de um festival burguês, ou de uma feira medieval. E agora eu pergunto a todos vocês se sabem qual foi o objetivo de toda essa festa? Alguém saberia me responder...? (Todos param subitamente) A resposta é simples... não há objetivo algum. Tudo o que aqui aconteceu foi por puro divertimento. A imperatriz está com a corda no pescoço por puro divertimento. Vocês aplaudem por que se divertiram. E eu pularei do precipício por divertir vocês. Acabou a feira.
A morte: Completou a sua libertação...

[renato ribeiro]

3 comentários:

Walmir disse...

maravilha, Renato.
Adorei sua cena curta com as dramaticidades precisas de uma história contada e vivida.

Adélia Carvalho disse...

Renato, que delícia de cena.
Conseguiu tocar-me em todos os sentidos, vi e ouvi suas personagens, senti os cheiros e o gosto do desenrolar de uma história tão inusitada. Beijos.

meninamulher disse...

Goste de mais Renato
Que coisa mais boa de se ler, cheia de imagens e memória!
Gostei
day
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