quinta-feira, dezembro 08, 2011

Apenas uma carona!

I

Ele costumava ir para o trabalho de ônibus. Sempre! Quase uma hora de viagem. Sua rotina já estava marcada há meses. Na sexta-feira, quando contava os minutos para bater o ponto, um novo funcionário que havia começado a trabalhar há apenas uma semana, perguntou se ele queria uma carona para casa. Sem entender o motivo da pergunta, pois afinal nunca haviam trocado uma palavra sequer, respondeu que sim. “Uma carona não vai mal!”, disse complementando a resposta. E com um sorriso brando, o outro respondeu “Te espero lá fora.”

II

- Você é novo por aqui?

- Me mudei tem uma semana.

- Hum... É de onde?

- Não tenho lugar. Passei a vida inteira mudando de um lugar ao outro. Talvez não seja de me prender. Talvez seja meio cigano.

- Talvez.

- E você?

- Sou daqui. Nunca saí daqui. Talvez tenha criado raízes demais.

- Gostaria de ter, mesmo que fossem fracas. Chega uma hora em que a falta sufoca.

- Falta espaço, não é?

- Não. Falta alguém.

- ...

III

Esperou o fim de semana inteiro por uma ligação apenas. Seus olhos vermelhos de sono não se compadeciam. Jurava que ligaria. As palavras que saíram de sua boca haviam o entorpecido de tal maneira, que toda a sua razão perdera-se no ar. A xícara de café sempre cheia, cigarro um atrás do outro, o som bem baixinho. O tempo não colaborava, a chuva insistia em cair como navalhas do céu. Seu desejo era sair pela rua atrás dele, de repente, achá-lo de surpresa e sufocá-lo com um beijo quente, antes mesmo que alguma coisa pudesse ser dita, para logo em seguida dizer “Não falta mais!”. Mas apesar de jurar, ele sabia que não ligaria.

IV

Segunda-feira. Manhã. Ele esperava o soar da buzina. Cabelos penteados, roupas alinhadas... Havia um tremor em seus olhos e uma excitação sem sentido. Nada estava para acontecer, apenas uma carona. Mas mesmo assim ele desejava.


[renato ribeiro]

sexta-feira, setembro 02, 2011

Pés e Ipês.

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I
O inverno está indo embora, mas o ar insiste em manter-se frio. “É tempo de primavera!”, exclamou quase que num sussurro emudecido. Ipês roxos, rosas e amarelos deveriam cobrir as calçadas, escondendo as pedras desgastadas por sapatos duros e protegendo os pés descalços. Dar-lhes enfim, conforto.

II
Na sala quase escura ele ascende um cigarro e senta-se encolhidamente no sofá. Seu corpo está frio. A ponta do cigarro marca a trajetória de seu braço indo da boca ao braço do sofá, preenchendo o espaço que por hora encontra-se vazio.
O silêncio grita.

III
Seus pés descalços esperam os ipês florescerem.
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[renato ribeiro]

quinta-feira, agosto 11, 2011

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Domingo. Eu recostado no sofá. Copo cheio de café para espantar o restante do sono que pesa sob as pálpebras. O dia nublado. Feio. Copo pela metade. Pego o jornal. Do sofá volto para a cama. Assim é melhor, pelo menos não fico de mau humor. Folheio sem muitas expectativas. As noticias já estão velhas. Nada de novo no jornal de hoje. Greve. Novela. Acidente. Apenas domingo. No geral, os classificados me parecem ser o mais interessante. Talvez pela sensação de promessa fácil, ou de desejo delivery. Sem assombros. Sem sacrifícios. Sem castrações. Domingo!



“Procuro uma imagem. Destas que sejam verdadeiras. Genuína em sua textura. E de cor forte de preferência. Não quero nada que seja pré-fabricado. Poses laterais de pescoço virado. Quero ordem sim, mas nascida da própria sombra. Sombras! Embora a luz seja o fundamental. Bom gosto? Bom, gosto se releva. Gosto de relevos. Montanhas cheias. Ares e chão. Procuro uma imagem, apenas uma. Não precisa ser inteira, mas que pelo menos complete o pensamento. A Gestalt. Uma imagem apenas, seja ela em forma de pergunta ou resposta.”

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[renato ribeiro]