Sentado a mesa em seu quarto,
lápis e papel de rascunho nas mãos. Ele pretendia escrever sobre o amor, mas
nada lhe vinha à cabeça. Já fazia um bom tempo que nada acontecia a ele. Ele
apenas... Cumpria com os seus compromissos, divertia-se algumas vezes, um ou
outro encontro casual, mas nada de extraordinário. “Talvez seja assim com
todos”, ele acreditava. “Também, se tudo acontecesse o tempo todo, não haveria
peito para absorver todas as sensações. Talvez a inércia seja um mecanismo de
defesa”, disse ele justificando para si mesmo. Talvez, pois ele não tinha
certeza de nada quando começou a escrever o texto. A única coisa que poderia
afirmar, mas mesmo assim correndo o risco de grandes transformações ao ponto
final, era de que escreveria sobre o amor.
*
Levantando-se, ascendeu um
cigarro, pegou um café e pensou “tão clichê quanto escrever de óculos retro, ou
escrever sobre o amor” e riu de se mesmo.
*
Talvez o amor não fosse o melhor
assunto. Todos gostam de escrever sobre o amor, mesmo sem acrescentar nada de
valioso ao assunto. E ele também não pretendia acrescentar nada. Soaria
pretensioso. O que ele pretendia dizer era apenas que o amor talvez fosse algo
menor, com menos importância e menos caloroso. “O amor é pequeno”, afirmou ele
em voz baixa interrompendo seus pensamentos.
*
Depois de algumas dispersões ele
voltou ao começo. Ele não estava satisfeito. Também não era para menos, o texto
não fluíra. O problema era que ele tentava escrever sobre algo que desconhecia.
Mas depois de tantos cafés e cigarros, o curso natural seria justamente um
texto sobre o amor. E neste momento lhe veio à cabeça a idéia de que talvez o
amor fosse um recomeço. Tudo o que já aconteceu repetindo-se indefinidamente.
Loucura, ele sabia, mas se a paixão seria a sensação de descoberta e furor
inicial, o amor só poderia ser a repetição dessa paixão indefinidamente. Talvez
aí estivesse o gancho. Talvez ele devesse recomeçar o texto para que ganhasse
vida. Talvez não apenas o texto devesse ser recomeçado.
*
Ele embolou o papel rascunhado
sobre a mesa, jogou na lixeira, pegou uma nova folha e recomeçou a rascunhar.