segunda-feira, outubro 01, 2012

Rascunho...




Sentado a mesa em seu quarto, lápis e papel de rascunho nas mãos. Ele pretendia escrever sobre o amor, mas nada lhe vinha à cabeça. Já fazia um bom tempo que nada acontecia a ele. Ele apenas... Cumpria com os seus compromissos, divertia-se algumas vezes, um ou outro encontro casual, mas nada de extraordinário. “Talvez seja assim com todos”, ele acreditava. “Também, se tudo acontecesse o tempo todo, não haveria peito para absorver todas as sensações. Talvez a inércia seja um mecanismo de defesa”, disse ele justificando para si mesmo. Talvez, pois ele não tinha certeza de nada quando começou a escrever o texto. A única coisa que poderia afirmar, mas mesmo assim correndo o risco de grandes transformações ao ponto final, era de que escreveria sobre o amor.

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Levantando-se, ascendeu um cigarro, pegou um café e pensou “tão clichê quanto escrever de óculos retro, ou escrever sobre o amor” e riu de se mesmo.

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Talvez o amor não fosse o melhor assunto. Todos gostam de escrever sobre o amor, mesmo sem acrescentar nada de valioso ao assunto. E ele também não pretendia acrescentar nada. Soaria pretensioso. O que ele pretendia dizer era apenas que o amor talvez fosse algo menor, com menos importância e menos caloroso. “O amor é pequeno”, afirmou ele em voz baixa interrompendo seus pensamentos.

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Depois de algumas dispersões ele voltou ao começo. Ele não estava satisfeito. Também não era para menos, o texto não fluíra. O problema era que ele tentava escrever sobre algo que desconhecia. Mas depois de tantos cafés e cigarros, o curso natural seria justamente um texto sobre o amor. E neste momento lhe veio à cabeça a idéia de que talvez o amor fosse um recomeço. Tudo o que já aconteceu repetindo-se indefinidamente. Loucura, ele sabia, mas se a paixão seria a sensação de descoberta e furor inicial, o amor só poderia ser a repetição dessa paixão indefinidamente. Talvez aí estivesse o gancho. Talvez ele devesse recomeçar o texto para que ganhasse vida. Talvez não apenas o texto devesse ser recomeçado.

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Ele embolou o papel rascunhado sobre a mesa, jogou na lixeira, pegou uma nova folha e recomeçou a rascunhar.



segunda-feira, setembro 03, 2012

Seus olhos!



Frio. Noite sem estrelas. Lua Cheia. Azul. Rua com pouco movimento. Pessoas comuns em conversas triviais. De longe, no meio desse mar insosso, vejo os olhos dele. Pretos. Olhos em contraponto com sua pele clara. Cabelos cortados. Sorriso juvenil. Por segundos fico preso a sua imagem. Disfarço. Faço de conta que apenas o movimento comum permanece. Uma bebida. Um cigarro. Pensamentos soltos. Ele se aproxima de mim e me faço de surpreso como se não o tivesse visto ainda. Cumprimento formal. Conversa trivial. Não consigo desprender meus olhos dos dele. Brilhantes! Sua presença me transforma. Aos poucos sinto que entrego alguns pontos - coração acelerado, um desejo forte de beijar-lhe a boca. Ali mesmo. Sem pudor. Apenas desejo. A conversa estende e o frio, mais intenso, faz meu corpo tremer. Já não ouço bem o que ele fala. Quase não respondo. Apenas me fixo em seus olhos. Pretos! Lentamente me aproximo com a intenção de beijá-lo. Boca seca, respiração densa, segundos suspensos... Desvio. Sem jeito dou-lhe um abraço e cortando o assunto, me despeço. Como desculpa: o frio. Castrei o meu desejo. Talvez fosse a lua azul e seu misticismo pálido. Acendo outro cigarro com uma leve sensação de frustração.  Caminhando para casa imagino o beijo não dado e penso se o impulso não foi solitário. Acho que não. Talvez. Se tivesse seguido em frente saberia.  De certeza, apenas o preto de seus olhos em minha cabeça. E se todo o restante tiver sido engano, pelo menos o meu desejo não. 

[renato ribeiro]

quarta-feira, junho 20, 2012

Sementes!


As palavras não saem da minha boca. 
Ficam presas. Cravadas!
Sinto a necessidade de cuspi-las como duros grãos. 
Semeá-las em solos férteis...

Grãos não germinam no céu.


sábado, abril 14, 2012

Fragmento!



O dia ainda não havia clareado. Apesar da hora avançada notava-se o céu encoberto por estrelas. Na sala algumas pessoas que não dormiram. Não havia necessidade de dormir, ninguém ali queria perder tempo, apesar de estarem cansados e a conversa já estar norma. O desejo era ver o nascer do sol. Ver o lento clarear do céu e o desaparecimento das estrelas. E ali, naquele pequeno instante, clarear a alma. Pelo menos para mais um dia.

[renato ribeiro]

quinta-feira, fevereiro 23, 2012

Fragmento!


A porta encontrava-se fechada. Chave perdida na bolsa, roupas encharcadas. A chuva não perdoou. O que mais lhe incomodava eram os pés molhados, poça d’água dando-lhe instabilidade. Sua impaciência fazia com que a chave se escondesse por entre as vielas de sua bolsa. Becos a contragosto. De sua boca apenas uma respiração densa e palavrões em sussurros moderados, enquanto em sua cabeça uma tempestade torrencial. Seu desejo era simples: secar-se, deitar na cama, ligar a TV e pegar no sono; algo que naquele momento parecia quase impossível. Sua bolsa não colaborava. Ela desejava um pequeno feixe de luz em suas vielas, direcionando seus dedos por caminhos mais seguros. Ou pelo menos, caminhos mais ideais. 

[renato ribeiro]