Faltavam apenas cinco dias para o início do carnaval e Vitinho, manicure arisco que morava num pequeno barraco no morro, esperava ansiosamente para que chegassem os dias do festejo. Neste carnaval, diferentemente dos outros, Vitinho não queria o desgaste de ter que arrematar com pedras e paetês um tecido cru qualquer, numa tentativa de dar brilho a um farrapo para torná-lo apreciável. Tão pouco queria uma velha fantasia usada. Vitinho esperava vestir-se com uma exuberante fantasia, pela qual ficou encantado por todo o ano, e para isso, juntou dinheiro durante meses, trabalhou o dobro do que normalmente trabalhava, viu as unhas que tratava multiplicaram-se. A fantasia pela qual Vitinho ficou enamorado era uma linda fantasia de Carmem Miranda. Tecido de brilho intenso e em cores fortes. “Pequena notável!”, eram as únicas palavras que saiam da boca dele ao referir-se a tão sonhada fantasia.
Toda essa euforia em vestir-se bem no carnaval vinha de um desejo que ele carregava consigo desde muito pequeno. No morro, onde era conhecido por todos, Vitinho costumava dizer por entre as ruelas pela qual passava, que um dia iria para a Europa e que lá sim, teria uma vida de gente. Longe deste povo grosso que com que ele não cessava de esbarrar por entre os becos e de barracos sujos e fedidos que mal suportava; por isso procurava sempre em vestir-se da melhor maneira possível durante o carnaval, pois tinha a certeza de que um gringo haveria de se encantar por ele. Por ele e pelo brilho ardente de sua fantasia.
Uma vez com o dinheiro em mãos, não esperou um segundo sequer em adiantar o passo e comprar a impecável “Pequena notável”. E assim ele queria ser durante o carnaval: impecável! Havia até decorado meia dúzia de canções da Carmem Miranda que aprenderá por um velho vinil que comprou num brechó fuleiro.
De posse da fantasia, sempre que o tempo permitia, Vitinho vestia-se dela e ficava tempos frente ao espelho admirando-se, enquanto ensaiava pequenos trejeitos e as canções. Logo após a guardava cuidadosamente na gaveta de um velho armário. A euforia repicava em seu peito como um tamborim em efervescência em plena terça-feira de carnaval, toda vez que abria ou fechava a tal gaveta.
Faltando apenas dois dias para o início do festejo, enquanto voltava do trabalho, Vitinho esbarrou por entre as ruelas com um sujeito desconhecido que o encarou brutamente. Vitinho, que até o momento do esbarrão assobiava um das canções decoradas, pediu-lhe licença para passar e tentou, sem sucesso, desviar-se do homem que, com um movimento brusco, agarrou-o pelo braço e o prensou de costas na parede, dando-lhe um beijo tão forte que chegou a machucar-lhe os lábios. Intenso! Notável! Vitinho que ora resistia, ora se postava em dúvida, acabou cedendo aos caprichos daquele trancudo homem - apesar de achar que não teria escolha. Levou-o para seu barraco naquele fim de tarde sem medo algum, e se entrelaçaram como dois animais selvagens; ele e o desconhecido.
Horas depois, Vitinho se encontrava deitado na cama ao lado homem a ouvir breves histórias. Dizia ele ter se mudado há pouco tempo para aquela parte do morro; que observava Vitinho por semanas; que já o desejava há tempos e que sendo do desejo de ambos, morariam sob o mesmo teto a dividir despesas e sentimentos. Vitinho acreditava que vestido com a fantasia que comprou - tamanho era o brilho que ela tinha - as chances seriam maiores de encontra-se com o gringo que o daria uma vida de verdade, e justamente por pensar assim, preferiu não responder nada ao homem. Queria primeiramente esperar o carnaval passar. Com a proposta latejando na cabeça, Vitinho emudeceu, deixando o não mais tão trancudo homem contando suas breves histórias, que já não eram mais tão breves, e por fim adormeceu.
Pela manhã, do homem que se encontrava deitado em sua cana, restou apenas o cheiro e o amassado deixado no lençol. Vitinho então se levantou como se a presença daquele sujeito não tivesse passado por ali. Re-esquentou o café que estava sobre o fogão e enquanto se arrumava para ir trabalhar, como numa ação programada, decidiu vestir-se com a fantasia para mais uma vez sentir-se notável! Trejeitos e canções. Ao abrir a gaveta do velho armário onde a guardava, sentiu sobressaltar seu coração em seu sufocado peito, ao notar que a fantasia já não estava mais lá. O homem, que horas antes lhe propôs um casamento, havia lhe roubado. A estimada fantasia havia sido roubada. E num desespero crescente, Vitinho abriu a porta de seu barraco e num só fôlego gritou: “Socorro! Socorro! Fui roubado... Roubaram a “Pequena notável”... Pega ladrão”. Mas há esta hora já era tarde. Nenhum outro apareceu na janela para atender aos berros de Vitinho. Desfazendo-se, ele entrou para casa e encolheu-se na cama soluçando. Nem se deu ao trabalho de ver o que mais havia sido levado. Era o fim do carnaval para ele, antes mesmo da terça-feira. E por ali passou o dia, encolhido na cama. Não foi trabalhar, nem fez mais nada durante todo o dia.
Toda essa euforia em vestir-se bem no carnaval vinha de um desejo que ele carregava consigo desde muito pequeno. No morro, onde era conhecido por todos, Vitinho costumava dizer por entre as ruelas pela qual passava, que um dia iria para a Europa e que lá sim, teria uma vida de gente. Longe deste povo grosso que com que ele não cessava de esbarrar por entre os becos e de barracos sujos e fedidos que mal suportava; por isso procurava sempre em vestir-se da melhor maneira possível durante o carnaval, pois tinha a certeza de que um gringo haveria de se encantar por ele. Por ele e pelo brilho ardente de sua fantasia.
Uma vez com o dinheiro em mãos, não esperou um segundo sequer em adiantar o passo e comprar a impecável “Pequena notável”. E assim ele queria ser durante o carnaval: impecável! Havia até decorado meia dúzia de canções da Carmem Miranda que aprenderá por um velho vinil que comprou num brechó fuleiro.
De posse da fantasia, sempre que o tempo permitia, Vitinho vestia-se dela e ficava tempos frente ao espelho admirando-se, enquanto ensaiava pequenos trejeitos e as canções. Logo após a guardava cuidadosamente na gaveta de um velho armário. A euforia repicava em seu peito como um tamborim em efervescência em plena terça-feira de carnaval, toda vez que abria ou fechava a tal gaveta.
Faltando apenas dois dias para o início do festejo, enquanto voltava do trabalho, Vitinho esbarrou por entre as ruelas com um sujeito desconhecido que o encarou brutamente. Vitinho, que até o momento do esbarrão assobiava um das canções decoradas, pediu-lhe licença para passar e tentou, sem sucesso, desviar-se do homem que, com um movimento brusco, agarrou-o pelo braço e o prensou de costas na parede, dando-lhe um beijo tão forte que chegou a machucar-lhe os lábios. Intenso! Notável! Vitinho que ora resistia, ora se postava em dúvida, acabou cedendo aos caprichos daquele trancudo homem - apesar de achar que não teria escolha. Levou-o para seu barraco naquele fim de tarde sem medo algum, e se entrelaçaram como dois animais selvagens; ele e o desconhecido.
Horas depois, Vitinho se encontrava deitado na cama ao lado homem a ouvir breves histórias. Dizia ele ter se mudado há pouco tempo para aquela parte do morro; que observava Vitinho por semanas; que já o desejava há tempos e que sendo do desejo de ambos, morariam sob o mesmo teto a dividir despesas e sentimentos. Vitinho acreditava que vestido com a fantasia que comprou - tamanho era o brilho que ela tinha - as chances seriam maiores de encontra-se com o gringo que o daria uma vida de verdade, e justamente por pensar assim, preferiu não responder nada ao homem. Queria primeiramente esperar o carnaval passar. Com a proposta latejando na cabeça, Vitinho emudeceu, deixando o não mais tão trancudo homem contando suas breves histórias, que já não eram mais tão breves, e por fim adormeceu.
Pela manhã, do homem que se encontrava deitado em sua cana, restou apenas o cheiro e o amassado deixado no lençol. Vitinho então se levantou como se a presença daquele sujeito não tivesse passado por ali. Re-esquentou o café que estava sobre o fogão e enquanto se arrumava para ir trabalhar, como numa ação programada, decidiu vestir-se com a fantasia para mais uma vez sentir-se notável! Trejeitos e canções. Ao abrir a gaveta do velho armário onde a guardava, sentiu sobressaltar seu coração em seu sufocado peito, ao notar que a fantasia já não estava mais lá. O homem, que horas antes lhe propôs um casamento, havia lhe roubado. A estimada fantasia havia sido roubada. E num desespero crescente, Vitinho abriu a porta de seu barraco e num só fôlego gritou: “Socorro! Socorro! Fui roubado... Roubaram a “Pequena notável”... Pega ladrão”. Mas há esta hora já era tarde. Nenhum outro apareceu na janela para atender aos berros de Vitinho. Desfazendo-se, ele entrou para casa e encolheu-se na cama soluçando. Nem se deu ao trabalho de ver o que mais havia sido levado. Era o fim do carnaval para ele, antes mesmo da terça-feira. E por ali passou o dia, encolhido na cama. Não foi trabalhar, nem fez mais nada durante todo o dia.
À noite, quando o relógio marcava altas horas, e faltando menos de um dia para o início dos festejos, Vitinho levantou-se da cama, pegou um pedaço de tecido já em trapos que estava guardado no fundo de uma velha mala e se pôs a costurar uma nova fantasia enquanto cantarolava, ainda entre soluços, as canções aprendidas da Carmem Miranda.
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[renato ribeiro]
Um comentário:
Que história mais linda. Triste e intensa. Ansiamos e ao mesmo tempo tememos o que irá acontecer, o inevitável...A esperança de algo que poderia mesmo nem acontecer, o desmanchar dos sonhos e o reeguer-se em meio as cinzas das perdas é descrita de forma encantadora! Abraços. Adélia Carvalho.
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