quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Invisíveis.

Começou assim: eu sentado na sala de espera de um consultório, segurando uma revista nas mãos. Há minha frente um quadro. “Silêncio!”, era o que dizia. Sem sussurros, sem nada. Mudo. Indicação batendo no meu rosto, pronto para me apontar ao menor ruído. Restou-me ficar calado. Ao meu lado há uma mulher gorda com respiração ofegante suando sem parar. Vestido florido, rosto cansado, bijuteria barata no pescoço. Eu: check-up. Rotina. Exame de sangue. Glicose. Colesterol. HIV. Nada demais. Ela: dezenas de papeis nas mãos. Guias. Receitas. Uma tosse que não cessa. Para ela é mais que rotina. Tosse... Tosse... Tosse... Para ela o quadro não grita: “Silencio!”. Os dedos não são apontados. A sala: quase vazia. A atendente chega a cabeça por uma porta entreaberta e chama por um nome. É o nome dessa mulher gorda. “Esse calor ainda me mata”, diz a mulher suando ainda mais, que ao levantar-se, deixa cair no chão todos os papeis que trazia em mãos. A cabeça à porta, já não se encontrava mais. Os outros, ali presente, absortos por seus pensamentos. Invisíveis. Apenas a mulher e eu parecíamos estar ali. Mais ela do que eu. E mais tosse... tosse... tosse... Sutilmente, num ato de gentileza despretensiosa, me aproximo dela e dos papeis ao chão com a intenção de ajudá-la. Guias. Receitas. Alguns cartões. Exames. “Ainda morro assim!”, foi o que ela disse após tê-la ajudado. Para ela o quadro não gritou “Silêncio!”. A mulher seguiu e atravessou a porta. “E afinal, morre assim como?”, pensei atrasadamente enquanto recolhia-me à cadeira. Sem saber, só me restou ficar ainda mais calado – como se fosse possível. Tic-taquear do relógio zunindo no ouvido sutilmente. Revistas folheadas. Minutos depois, atravessando a mesma porta pela qual entrou, surge a mulher gorda. Desta vez com umas amostras grátis nas mãos, além de toda aquela papelada, que agora trazia junto a seu corpo. Tosse... Tosse... Tosse... e papeis ao chão. Tudo espalhado como antes. “Ainda morre assim!”, disse à mulher gorda, que com um único movimento apontou para o quadro que agora gritava mais que nunca: “Silêncio!”.
.
.
[renato ribeiro]

Um comentário:

Adélia Carvalho disse...

Alguns silêncios são mais barulhentos do que se pode controlar.Felizmente. Belo texto. Abraços. Adélia Carvalho.