Com a benção dos céus peço proteção aos meus orixás, pois um novo dia está preste a arrebentar com a noite. Com o corpo quente e com a respiração ofegante, busco o cumprimento do destino que me guia. Num pedaço de papel grudado na boca de um sapo está escrito as linhas a serem seguidas. O vento sopra marcando o início de um presságio já previsto. Enxergo deitado no chão à metade de mim, que lentamente se pos ali. Olha meu duplo e uma forte dor contrai minha barriga. É um trabalho de parto que se inicia. A respiração intensifica, o sangue escorre, com as mãos retraio o nascimento de mais um desgraçado. Respiração forte, pesada, revelando o feminino no masculino. Um corte pungente rasga meu umbigo e desse orifício em carne viva e latejante saem compridas linhas ensangüentadas. No chão ao lado do meu duplo as linhas de carne que carregava dentro de mim, tem a ‘cabeça’ posta em seus (meus) braços. Ela parece dormir um suave sono. Percebo que ainda se mexe em pequenos movimentos como se quisesse acordar. Como se brotasse de dentro de si ar, o suficiente para lhe dar vida. O masculino e o feminino. Com a respiração descompassada e o corpo tenso por olhar aquele desgraçado resistindo ao único destino que lhe coube, impulsos de raiva saltam em reflexos repetidos em direção a este, espedaçando-o e espalhando pedaços de carne por todo o espaço. Sua pré-respiração cessa. Destino cumprido. O clarão do dia irrompe à noite. Um novo dia se pós em vigor. Viro e caminho em passos lentos e pesados. Quero voltar para o conforto da minha casa. Conto cada passo pesado. Mas num movimento súbito paro e retorno. Caminho agora em direção ao meu duplo. Estamos frente a frente. Da bainha da calça tiro um pedaço de ferro frio que ponho em direção ao seu (meu) rosto. E finalizo meu destino transpassando a mim mesmo com uma explosão. Nem sapos, nem orixás. Apenas com a respiração e o corpo quente sigo meu caminho rumo ao conforto da minha casa.
(renato ribeiro)
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