sexta-feira, novembro 28, 2008

encontro com Mrs. Dalloway


1. Noturno

Numa noite fria, final de outono para princípio do inverno, onde um vento fino quase que cortante, surge como indício do fim da tarde, com a lua por nascer em sua fase crescente em estágio final, o céu sem estrelas indicando mais frio a caminho pela madrugada; eu percorro as ruas de pedras antigas e casarões mais antigos ainda, observando atentamente as pessoas que saem do trabalho, já num ritmo acelerado e com conversas frenéticas, como que contando o tempo para chegar em casa, mas sem deixar o assunto em questão, sejam frivolidades ou comentários mais ásperos sobre o dia cansativo; findar pela correria do pós-trabalho. Essas pessoas pelas quais passo, deixando apenas um sombra imperceptível, sem alterar sequer a intensidade da respiração destes, por um cuidado doentio de ser percebido, ou também, por inexperiência em fazer-se notar, não movem um músculo além dos já ativados, para olhar-me. Por erro meu e por erro deles; caminho para expurgar da mente lembranças de um dia amargo pela sua inatividade.
À tarde que se passou, mais uma deste ano acelerado que não nos cede tempo para reflexões mais demoradas; resume-se em cesta após o almoço, umas páginas de alguns contos da V. Woolf, que apesar de serem distantes desta época imediatista, abrange todos os meus pensamentos de maneira una e singular; e umas poucas observações sobre o que se pode fazer para mudar estas tediosas tardes, sem exatamente chegar a uma resposta ou indício de conclusões. Flores, luvas e festas dadas pela Mrs. Dalloway. “Talvez eu devesse sair para comprar flores”, assim pensei ao me lembrar deste romance ainda não lido, mas que surge como falso dejavú ao encontrar essa mesma personagem num outro conto, para criar uma nova expectativa de atividades, frívolas, mas ativas. Tentativa apenas. Não saio para comprar flores, nem luvas, apenas um maço de cigarros e uma ou outra coisinha a mais. Com o maço cheio, recém aberto, não haveria necessidade de desprender-me até o mercado para tal compra. Encerra à tarde desta forma, seca.
A passos pequenos, sem destino claro ou objetivo na caminhada, sigo. Invisível, inaudível; caminhando apenas. Meu desejo é ser abordado abruptamente por um desconhecido que se diz conhecer-me, sendo pego de surpresa. Assim sendo possível, expor a reação que tanto ensaiei por tempos e que de tanto repeti-la não se fez mais necessário ensaios. “Desculpe-me, mas não me lembro de você?” Diria com um sutil olhar de interrogação, e um pequeno arquear de sobrancelhas. Ele insistiria em dizer que me conhecerá numa festa em que estava elegantemente vestido, com comportamento impecável e digno de admiração. E eu responderia: “Deve ter-se enganado, não costumo ir a festas. A não ser...”.
“A festa da Mrs. Dalloway”. Responderia logo no primeiro instante em que hesitasse.
Mas isso não passa de um desejo apenas, simplesmente inconcebível. Tornando-se uma transposição de um desejo verídico para o âmbito simbólico e fantasioso. Pura imaginação.
Prosseguindo a caminhada, sentindo-me menos absorvido pelos pensamentos vespertinos, e observando mais atentamente este céu sem estrelas, vazio em seu negrume, a não ser pela lua resplandecente, que apesar de sua magnitude conserva-se só nesta noite de outono, penso: “Talvez eu devesse compra um maço de cigarros”.
(renato ribeiro)

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá, Renato, passei por aqui e gostei de sua descrição e do paralelo com Mrs. Dalloway. Abraço.