sábado, janeiro 24, 2009

Cafeína.


O relógio despertou. Ensurdecedoramente. Olhar denso. Pensamentos soltos. Queria dormir mais! Chinelos arrastados. Roupão mal vestido. Cabelos desgrenhados. Com o fogão acesso, leiteira sobre a chama. Fervura pó coador. No jornal: ApossedeObamaOvestidodaprimeiradamaAesperançamundial. Crise. Espero não quebrar a cara. Queria dormir mais! Corpo cansado. Trabalho. Queria dormir mais! Fervor, água, pó preto, café preto forte amargo. Estimulante, asfixiante, anabolizante, antidepressivo. Talvez seja disso que o mundo precise. Mais cafeína. Rádio ligado. Roberto Carlos: “Como é grande o meu amor por você”. Canção para pessoas ingênuas. Eu estou vacinado. Rubéola. Hepatite. Apaixonite. De mim ninguém tira nada. Não quero metade de um fogão. Queria dormir mais! Cigarro fogo fumaça. Amor: pra quê? Por quem? De quê? Cabelos desgrenhados não conquistam ninguém. Nem cafeína. O Obama está lá. Família feliz com uma bomba relógio nas mãos. Eu aqui, com apenas um relógio na sala. A bomba já explodiu faz tempo. “Como é grande...” Isso nunca. “(...) o meu amor por você”. Otário! È disso que ele está falando. Queria dormir mais. Trabalho. Colocar o relógio para despertar novamente e dormir mais. É isso ou mais estimulante, asfixiante, anabolizante, antidepressivo.
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[renato ribeiro]

quarta-feira, janeiro 21, 2009

O telefone


Trinnn... Trinnn... O telefone tocou. Eu estava dormindo no sofá quando acordei assustado com o barulho. Levantei ainda muito sonolento, arrastando os chinelos pelo tapete da sala, até que depois de vários toques cheguei perto do aparelho. Atendi, mas era tarde. A ligação caiu. Tu, tu, tu... Sem bina, sem pressa, esperei que a pessoa ligasse novamente. “Se for importante liga novamente” pensei enquanto recostava na cadeira da mesa da sala de jantar próxima do telefone. Cadeira dura; em frente, uma janela que dava para o quintal. No quintal: plantas amareladas, uma frágil jabuticabeira que mal dava jabuticabas – está morrendo – e um chão coberto de uma grama maltratada e folhas secas. Meio da tarde. Três, cinco, sete minutos e eu olhando aquela paisagem que parecia pedir socorro. O telefone: mudo. Vez em quando, passava próximo à janela um pássaro qualquer, que num piscar fazia um giro e ia embora. Tic-tac, tic-tac... O tempo passando e eu observando atentamente o sutil balançar dos galhos e as folhas caídas que pareciam ensaiar um modesto balé rasteiro. Aquele ar seco. E o telefone: mudo. Talvez não fosse importante. Vendedor, ou engano, ou parente... “Voltar para o sofá.”, pensei. “E se tocar novamente?”, adiante com meu pensamento. “Devo ficar sentado aqui. Bem quieto. Gastando o mínimo de energia possível.”, concluí. O dia estava insuportavelmente quente. Fim de tarde, mas o sol parecia estar a pino. Um dia amarelo e quente. Mesmo vestido apenas com uma leve camiseta branca e um calção azul marinho sentia o suor escorrer pelo meu rosto. Litros... ãh... Fadiga. Cansaço. Morbidez. Enquanto o telefone não tocava, eu olhava para fora, para aquela paisagem enquadrada pela janela da sala. “Morrendo aos poucos.”, pensei. Na jabuticabeira, que mal sustentava as folhas em si, surgiram centenas de pontos pretos que a cobriram por completo, preta, como nunca havia ficado antes, fazendo contraste àquele dia amarelado, hepático; assim imaginei. Tudo estava lá. Parado. Sem sopros de vento, quase que imóvel. Imóvel... I’m... Móvel... Através daquela moldura enferrujada, como se rasgasse aquele quadro quase morte, um pequeno ponto de cor diferente, que dissolvia as centenas de pontos pretos que imaginava, surpreendeu-me. Um pequeno ponto marrom, quase um pedaço de casca de madeira, e saindo desse ponto fazendo um esforço incomum, um par de asas de cores fortes e vibrantes. Em meio aquela paralisia doentia, um pequeno ponto de fortes cores esforçando-se ao máximo para romper a prisão de fios de seda. Decidida, sem contenção de energia. Daquele casulo, pouco a pouco, foram saindo asas tão coloridas, tão contrastantes, que a paisagem amarelada pereceu perder-se no ar. Ufa! Em meio ao ar seco e o sol quente, após o máximo de esforço, saiu voando um par de pequenas asas delicadas, que se aproximaram da janela, assim como o passarinho, dando um sutil giro. Após girar, foi embora abandonando aquele quadro amarelado. Tic-tac, tic-tac... Trinnn... Trinnn... O telefone. Levantei-me ainda com a imagem da borboleta em minha cabeça e diante do telefone que tocava insistentemente pensei, “vendedor, ou engano, ou parente...”. De súbito, decidi não atender. Trinnn... Trinnn... Trinnn... Trinnn... “Asas coloridas que me levariam para longe dali”, pensei. Ignorei então o telefone e saí de casa, abandonando aquela paisagem amarela, contrastando como o dia parado.
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[renato ribeiro]

terça-feira, janeiro 20, 2009

[outras bocas]

Dois...
Apenas dois.
Dois seres...
Dois objetos patéticos.
Cursos paralelos
Frente a frente...
...Sempre...
...A se olharem...
Pensar talvez:
“Paralelos que se encontram no infinito...”
No entanto sós por enquanto.
Eternamente dois apenas.

Pablo Neruda

terça-feira, janeiro 13, 2009

Do outro lado do muro.


Há um muro alto. De um lado do muro um menino; Artur, oito anos de idade, menino quieto e que possue uma curiosidade extrema, leitor assíduo de todos os livros de mistério. Ele gosta de mistérios!

Artur deseja ver o que existe do outro lado do muro, mas por ser pequeno demais, bem abaixo do tamanho normal dos meninos de sua idade, não consegue.

Este muro, que de tão alto parece cercar todo o quarteirão, é encoberto por árvores grandes dotadas de um verde nunca visto em nenhum outro lugar. São belíssimas as árvores, grandes e imponentes. Nele existem diversas palavras escritas, algumas em português, outras em alemão, inglês, grego... e até em russo. Não se sabe quem as escreveram. Artur, o menino que deseja ver o que tem do outro lado, não compreende nem um terço daquelas letras grafadas ali. Para ele isso é um mistério. Para ele e para muitas outras pessoas.

O alto muro é vigiado por um velho que faz uma ronda de quinze em quinze minutos. Todos os dias. Sábados, domingos e feriados. Não se sabe muito a respeito dele. Mistério! Dizem que ele é mudo; o cochicho que soa por entre a turma de meninos do bairro é que o velhoguardamuros, como é chamado por todos, emudeceu no dia em que viu o que havia do outro lado do muro. Talvez seja por este motivo que ele o vigia com tanto cuidado, para que ninguém mais fique mudo.

Em sua ronda, o velhoguardamuros traja um pesado casaco preto cheio de bolsos e carrega consigo um pequeno balde. O que há dentro do balde ou dos bolsos não se sabe. Seria, para aquele quarteirão, mais um dos incontáveis mistérios.

Para Artur, do outro lado do muro, há um enorme campo com milhares de tulipas amarelas, tão brilhantes como a luz do sol, exatamente como estava descrito num livro que acabara de ler. “Milhares de tulipas”, assim ele pensava. A solução que lhe cabia, para comprovar se sua teoria estava certa ou não, era esperar que crescesse o suficiente para espiar por cima do muro. Mas havia um porém, se esperasse por tanto tempo, o mar de tulipas que ali floresciam, murchariam e morreriam. Então o campo de tulipas, deixaria de ser um campo de tulipas.

“O que fazer?”, pergunta insistente na cabeça do menino. Ele não poderia esperar por tanto tempo assim, e isso era um fato.

Tendo pensado por horas a fio sobre como sanar sua curiosidade sobre o outro lado do muro, o menino chegou à conclusão de que a única coisa que poderia fazer, para não ter que esperar tanto, era furar o muro. Fazer um pequeno furo de modo que desse para ver através dele o que há do outro lado. Assim, esse mistério estaria resolvido e a conclusão de sua teoria também.

“Está decidido!”, exclamou o menino. É exatamente isso que Artur fará. Precisaria apenas marcar o horário certo da ronda naquele ponto onde estava, para não ser surpreendido pelo velhoguardamuros. E assim foi.

Observou, marcou o tempo e com um pequeno martelo, que pegou escondido em sua casa, fez o furo. Estava lá. Um dos mistérios está para ser solucionado.

Artur aproximou o seu olho do buraco feito, lentamente para não estragar a surpresa daquele momento, e pronto. Estando o olho onde deveria estar, bastava abrir. E ele abriu.

Surpresa mesmo foi quando viu que do outro lado não havia um vasto campo de tulipas como imaginou, mas uma pequena rua com um outro muro em seu lado oposto.

A decepção foi tão grande, que no mesmo instante ele pegou no chão uma pequena pedra e rabiscou no muro um palavrão que não cabe reproduzir aqui, de tão ofensivo que era. Jamais imaginaria que aquele menino soubesse escrever palavra tão parecida como a que escreveu.

Passado alguns minutos, o velhoguardamuros veio refazer a sua vigia. Artur, vendo-o se aproximar, largou a pedra que ainda estava em sua mão no chão e correu o mais rápido que pode. Mesmo atordoada por uma decepção tão grande, não queria ser surpreendido ali, no local do crime.

O velhoguardamuros caminhou até que chegou próximo ao buraco feito por Artur. Sem mudar a expressão, sem surpresa, ou qualquer reação que esboçasse algum tipo de alteração em seu estado, ele tirou de dentro do bolso uma pequena pedra do tamanho do buraco feito no muro, tampando-o e cobrindo-o com uma massa que estava no balde que carregava consigo. A pedra largada no chão por Artur, foi recolhida pelo velho e guardada em um de seus inúmeros bolsos. Feito isso, ele retornou a ronda.

Para Artur o mistério não estava resolvido. Para ele ainda há um campo de tulipas. O que deveria fazer agora é achar um meio de chegar até a rua vista por ele através do buraco no muro, e enquanto o velhoguardamuros não estiver por lá rondando, fazer um novo furo, pois atrás daquele muro haveria sim um campo de tulipas, não amarelas como anteriormente imaginado por ele, mas desta vez azuis, tal qual a cor do mar.
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[renato ribeiro]

sábado, janeiro 10, 2009

Quadrilha

(Carlos Drumond de Andrade)

João amava Teresa, que amava Raimundo,
que amava Maria,que amava Joaquim, que amava Lili,
que não amava ninguém.

João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

quarta-feira, janeiro 07, 2009

[bodas]


Um casal sentado à mesa; cada um numa extremidade desta. A mesa possue várias gavetas e sobre ela há pratos para cada um, talheres, duas taças, uma garrafa de vinho e um castiçal com velas apagadas. Os dois são casados há muito tempo, mas não são velhos. O homem não tem o pé direito e a mulher não tem a mão esquerda.

(Ouve-se o chiar de uma panela de pressão e alguém batendo na porta constantemente).

Homem – Estão batendo na porta.
Mulher – É... já faz tempo que a panela de pressão está chiando.
Homem – Eu acho que é um novo moço. Deve ter vindo buscar a prestação do lençol que comprou.
Mulher – Qual?
Homem – O preto.
Mulher – Não, o feijão que eu estou cozinhando é o roxo. Não tinha feijão preto. No almoço eu vou fazer feijão temperado.
Homem – Maravilhoso!!!
Mulher – Feijão com fígado, orelhas, rins, pé...
Homem – Já estava na hora dele passar. Não dá para ficar guardando o dinheiro sempre.
Mulher – E costela.
Homem(pegando um carnê) Ah, não. Isso não. Eu não gosto.
Mulher – Vai ficar bem cozida.
Homem – Tem três meses. Estou olhando aqui no carnê. Tem três meses que o cobrador não passa aqui em casa. Desde o dia da reforma do banheiro. Isso não dá.
Mulher – Não vai querer então?
Homem – Eu não vou mais pagar. O problema é dele, substituísse antes.
Mulher – Vou fazer sem costela. (Pausa) Realmente, melhor seria se fosse feijão preto.
Homem – Eu nem sei por que você comprou.
Mulher – Ora, só tinha o roxo.
Homem – Lembro perfeitamente. Eu dizia: “o que vamos fazer com um lençol preto?” Ninguém dorme numa cama com lençol preto.
Mulher – Era o único que tinha.
Homem – O melhor era não ter comprado.
Mulher – Já faz dias que não comemos feijão. Um feijão temperado, gordo. Só de falar me dá água na boca. Adoro essas coisas. Chego a babar, chego a...
Homem – E eu não percebo? O lençol todo molhado pela manhã. E isso é quase toda noite. Tem que procurar um médico.
Mulher – Acha que eu tenho algum problema?
Homem – Pode ser.
Mulher – Mas da última vez que eu medi o meu colesterol ele estava bom.
Homem – Faz quatro meses que compramos o lençol.
Mulher – Quatro meses apenas. Não é hora de fazer um “check-up”. Se bem que engordei um pouco.
Homem(pensativo) Pode ser o feijão.
continua...

[renato ribeiro]

terça-feira, janeiro 06, 2009

Pensamentos de dez a quinze minutos: POLIAMOR

Fim de tarde, chuva caindo e eu encostado numa parede qualquer, sob a beirada do um certo telhado antigo, com a inútil intenção de molhar menos. Já perdi a noção das horas. Espero somente o ônibus passar para ir embora para casa. Ponto vazio, poucas transeuntes – eles parecem fugir. Da chuva realmente? Talvez. – e eu esperando. Relâmpagos transformam a noite. Não há estrondos, só clarões. Minutos depois surgem novas pessoas. O espaço é pequeno para tantas cabeças. Espremidos, esperamos juntos o ônibus, que por questão de segundos, vira a esquina. Abençoado seja.

Dou sinal, o ônibus para... “Passa pela praça?” Pergunto para uma pessoa que me responde com olhar de reprovação - fazer o quê, me confundo as vezes! Entro, pago, acomodo-me... Alguns pingos insistem em cair sobre minha cabeça devido a janela aberta. Prefiro me molhar um pouco mais, a fechá-la totalmente. Ônibus fechado me provoca enjôo. Mas apesar deste e de outros pequenos desconfortos corporais, transportes coletivos, em determinadas horas, tem lá as suas vantagens. Por distração acabamos percebendo o que distraídos não perceberíamos. Voltamos a atenção para o que normalmente não damos a mínima. Pensamos em coisas que normalmente havia caído no esquecimento, e que certamente retornará para lá. Como o Poliamor. Li sobre isso em uma revista que nem sequer lembro mais o nome. Pseudociência, certamente. É uma nova teoria sobre relacionamento que conheci e divulguei para alguns, poucos.

Poliamor tem o seguinte conceito: o ser humano pode amar mais de uma pessoa de igual maneira. Pois ele não é organicamente monogâmico. A monogamia é questão cultural. É um pensamento romântico.

Imediatamente pensei que quem defende esta forma de relacionamento é alguém inseguro. Tudo desculpa para não perder alguém. Insegurança! E mesmo assim, levantei esta bandeira por algum tempo. Fiz até propaganda, como disse. Fazer o quê? Sou dependente. Viciado em pessoas. Queria ter alguém junto a mim. Afinal, quem não quer. Mas aí vem a questão, vale a pena toda essa pluralidade? Confesso que a teoria convence, mas a prática surge com um fantasma assustador a tiracolo.

Como normalmente os pensamentos que brotam dentro de um ônibus não duram mais que dez a quinze minutos, e sem resposta para esta divagação baldada, eu torno a levantar e abaixar a bandeira do poliamor. Pois a pequena viagem já está por terminar e não desejo ter pseudociências martelando em minha cabeça.

Dou sinal, o ônibus para, desço correndo sob uma chuva fortíssima e rumo de casa. Ufa!!! No portão da varanda, na varanda, dentro de casa. Ainda restam alguns pensamentos sobre o poliamor. Insistente demais para quem já havia caído no esquecimento. Insegurança? Pode ser que seja. Ela persegue. Talvez seja disso que aquelas pessoas fugiam.

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Poema Dadaísta.


.................... nariz. .próprio.
..... culto .. risco .. raciocínio
............. amor mal .. personalismo .. azedam.
flexibilidade .. CERTO ........ maniqueíta conspiratório.
............... feroz, .... IDOLATRIA.
..................foto .... cego


[renato ribeiro]

Ruminar.

[foto: Patrícia Albuquerque]

domingo, janeiro 04, 2009

Mar.


E mais uma onda repousa sobre a areia quente, tão devagar quando o vôo do pássaro para além mar. Meus olhos acompanham o vai e vem dançante da água salgada, como num ninar manso e solitário. Dela não se sabe o que dizer, tão pouco o que esperar. Ao meu lado, tão suave quanto à brisa que transcorre o mar, ele observa atentamente a paisagem assim como eu, e dele também não tenho o que dizer, nem o que esperar. Bem como circulam imperceptivelmente pelo ar, os grãos de sal, meus pensamentos perpassam por longas conversas, sem ser sentido, nem absorvido pela pele do seu rosto, e nem uma imensidão esverdeada, ilustrada pela subtileza dos sons, fariam dos meus pensamentos correntes fortes, capaz de despertar por segundos, um outro olhar que não este que gentilmente me é oferecido. Desta forma, observo com cautela todos os segmentos presentes, como numa tentativa falida de montar um quebra-cabeça de areia.
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[renato ribeiro]