Fim de tarde, chuva caindo e eu encostado numa parede qualquer, sob a beirada do um certo telhado antigo, com a inútil intenção de molhar menos. Já perdi a noção das horas. Espero somente o ônibus passar para ir embora para casa. Ponto vazio, poucas transeuntes – eles parecem fugir. Da chuva realmente? Talvez. – e eu esperando. Relâmpagos transformam a noite. Não há estrondos, só clarões. Minutos depois surgem novas pessoas. O espaço é pequeno para tantas cabeças. Espremidos, esperamos juntos o ônibus, que por questão de segundos, vira a esquina. Abençoado seja.
Dou sinal, o ônibus para... “Passa pela praça?” Pergunto para uma pessoa que me responde com olhar de reprovação - fazer o quê, me confundo as vezes! Entro, pago, acomodo-me... Alguns pingos insistem em cair sobre minha cabeça devido a janela aberta. Prefiro me molhar um pouco mais, a fechá-la totalmente. Ônibus fechado me provoca enjôo. Mas apesar deste e de outros pequenos desconfortos corporais, transportes coletivos, em determinadas horas, tem lá as suas vantagens. Por distração acabamos percebendo o que distraídos não perceberíamos. Voltamos a atenção para o que normalmente não damos a mínima. Pensamos em coisas que normalmente havia caído no esquecimento, e que certamente retornará para lá. Como o Poliamor. Li sobre isso em uma revista que nem sequer lembro mais o nome. Pseudociência, certamente. É uma nova teoria sobre relacionamento que conheci e divulguei para alguns, poucos.
Poliamor tem o seguinte conceito: o ser humano pode amar mais de uma pessoa de igual maneira. Pois ele não é organicamente monogâmico. A monogamia é questão cultural. É um pensamento romântico.
Imediatamente pensei que quem defende esta forma de relacionamento é alguém inseguro. Tudo desculpa para não perder alguém. Insegurança! E mesmo assim, levantei esta bandeira por algum tempo. Fiz até propaganda, como disse. Fazer o quê? Sou dependente. Viciado em pessoas. Queria ter alguém junto a mim. Afinal, quem não quer. Mas aí vem a questão, vale a pena toda essa pluralidade? Confesso que a teoria convence, mas a prática surge com um fantasma assustador a tiracolo.
Como normalmente os pensamentos que brotam dentro de um ônibus não duram mais que dez a quinze minutos, e sem resposta para esta divagação baldada, eu torno a levantar e abaixar a bandeira do poliamor. Pois a pequena viagem já está por terminar e não desejo ter pseudociências martelando em minha cabeça.
Dou sinal, o ônibus para, desço correndo sob uma chuva fortíssima e rumo de casa. Ufa!!! No portão da varanda, na varanda, dentro de casa. Ainda restam alguns pensamentos sobre o poliamor. Insistente demais para quem já havia caído no esquecimento. Insegurança? Pode ser que seja. Ela persegue. Talvez seja disso que aquelas pessoas fugiam.
Um comentário:
Acho bonito quando diz: “Por distração acabamos percebendo o que distraídos não perceberíamos. Voltamos a atenção para o que normalmente não damos a mínima...” e é nesses momentos que percebemos o que continua retumbando em nosso ser...Abraços. Adélia Carvalho.
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