terça-feira, janeiro 13, 2009

Do outro lado do muro.


Há um muro alto. De um lado do muro um menino; Artur, oito anos de idade, menino quieto e que possue uma curiosidade extrema, leitor assíduo de todos os livros de mistério. Ele gosta de mistérios!

Artur deseja ver o que existe do outro lado do muro, mas por ser pequeno demais, bem abaixo do tamanho normal dos meninos de sua idade, não consegue.

Este muro, que de tão alto parece cercar todo o quarteirão, é encoberto por árvores grandes dotadas de um verde nunca visto em nenhum outro lugar. São belíssimas as árvores, grandes e imponentes. Nele existem diversas palavras escritas, algumas em português, outras em alemão, inglês, grego... e até em russo. Não se sabe quem as escreveram. Artur, o menino que deseja ver o que tem do outro lado, não compreende nem um terço daquelas letras grafadas ali. Para ele isso é um mistério. Para ele e para muitas outras pessoas.

O alto muro é vigiado por um velho que faz uma ronda de quinze em quinze minutos. Todos os dias. Sábados, domingos e feriados. Não se sabe muito a respeito dele. Mistério! Dizem que ele é mudo; o cochicho que soa por entre a turma de meninos do bairro é que o velhoguardamuros, como é chamado por todos, emudeceu no dia em que viu o que havia do outro lado do muro. Talvez seja por este motivo que ele o vigia com tanto cuidado, para que ninguém mais fique mudo.

Em sua ronda, o velhoguardamuros traja um pesado casaco preto cheio de bolsos e carrega consigo um pequeno balde. O que há dentro do balde ou dos bolsos não se sabe. Seria, para aquele quarteirão, mais um dos incontáveis mistérios.

Para Artur, do outro lado do muro, há um enorme campo com milhares de tulipas amarelas, tão brilhantes como a luz do sol, exatamente como estava descrito num livro que acabara de ler. “Milhares de tulipas”, assim ele pensava. A solução que lhe cabia, para comprovar se sua teoria estava certa ou não, era esperar que crescesse o suficiente para espiar por cima do muro. Mas havia um porém, se esperasse por tanto tempo, o mar de tulipas que ali floresciam, murchariam e morreriam. Então o campo de tulipas, deixaria de ser um campo de tulipas.

“O que fazer?”, pergunta insistente na cabeça do menino. Ele não poderia esperar por tanto tempo assim, e isso era um fato.

Tendo pensado por horas a fio sobre como sanar sua curiosidade sobre o outro lado do muro, o menino chegou à conclusão de que a única coisa que poderia fazer, para não ter que esperar tanto, era furar o muro. Fazer um pequeno furo de modo que desse para ver através dele o que há do outro lado. Assim, esse mistério estaria resolvido e a conclusão de sua teoria também.

“Está decidido!”, exclamou o menino. É exatamente isso que Artur fará. Precisaria apenas marcar o horário certo da ronda naquele ponto onde estava, para não ser surpreendido pelo velhoguardamuros. E assim foi.

Observou, marcou o tempo e com um pequeno martelo, que pegou escondido em sua casa, fez o furo. Estava lá. Um dos mistérios está para ser solucionado.

Artur aproximou o seu olho do buraco feito, lentamente para não estragar a surpresa daquele momento, e pronto. Estando o olho onde deveria estar, bastava abrir. E ele abriu.

Surpresa mesmo foi quando viu que do outro lado não havia um vasto campo de tulipas como imaginou, mas uma pequena rua com um outro muro em seu lado oposto.

A decepção foi tão grande, que no mesmo instante ele pegou no chão uma pequena pedra e rabiscou no muro um palavrão que não cabe reproduzir aqui, de tão ofensivo que era. Jamais imaginaria que aquele menino soubesse escrever palavra tão parecida como a que escreveu.

Passado alguns minutos, o velhoguardamuros veio refazer a sua vigia. Artur, vendo-o se aproximar, largou a pedra que ainda estava em sua mão no chão e correu o mais rápido que pode. Mesmo atordoada por uma decepção tão grande, não queria ser surpreendido ali, no local do crime.

O velhoguardamuros caminhou até que chegou próximo ao buraco feito por Artur. Sem mudar a expressão, sem surpresa, ou qualquer reação que esboçasse algum tipo de alteração em seu estado, ele tirou de dentro do bolso uma pequena pedra do tamanho do buraco feito no muro, tampando-o e cobrindo-o com uma massa que estava no balde que carregava consigo. A pedra largada no chão por Artur, foi recolhida pelo velho e guardada em um de seus inúmeros bolsos. Feito isso, ele retornou a ronda.

Para Artur o mistério não estava resolvido. Para ele ainda há um campo de tulipas. O que deveria fazer agora é achar um meio de chegar até a rua vista por ele através do buraco no muro, e enquanto o velhoguardamuros não estiver por lá rondando, fazer um novo furo, pois atrás daquele muro haveria sim um campo de tulipas, não amarelas como anteriormente imaginado por ele, mas desta vez azuis, tal qual a cor do mar.
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[renato ribeiro]

3 comentários:

Walmir disse...

os sohos devem ser mesmo mantidos, rapaz? A qualquer preço e a contrapelo de qualquer evidencia contrária? Mas fazemos isso porque a realidade é tb muito fictícia.
abraço, Renato.
Paz e bom humor, sempre.

Renato Ribeiro disse...

É caro Walmir, a qualquer contrapelo ou evidência contrária diria que não(como mesmo escreveu), mas estrapolar a realidade por alguns momentos, deixando se absorver pelas "loucuras" destas, mesmo que por curiosidade pode ser que valha a pena. Se não, fazer o quê? Tentamos, né... rsrsrsrs
Abraços...

Adélia Carvalho disse...

Depois de uma decepção levantar novos sonhos e continuar na busca é o caminho mais corajoso que se pode tomar. Texto delicioso. Acompanhei com interesse todo o caminho que percorreu. Abraços. Adélia Carvalho