sábado, dezembro 13, 2008

Para além do comum


Era um final de semana, era noite, eram estrelas que se viam no céu... era uma noite para além do comum!
O tempo quente e dilatado. Na sala da casa pouco arrumada, dois homens. Ouvia-se atravessar o ambiente, algumas músicas de Edith Piaf. Sonoro! Um dos homens estava sentado em uma poltrona enquanto o outro estendia-se sobre as almofadas jogadas ao chão. Calor!
Ora ou outra olhares intensamente pulsantes eram trocados entre estes dois, duo de olhos negros como a noite; e nada era dito, absolutamente nada, mas qualquer intenção de se dizer algo – inútil! - era antecipadamente compreendida. Era a conversa mais silenciosa que se pode imaginar.
No momento cimo deste palavrear mudo, soou a canção certa. Edith!
Sem erguer um milímetro a mais do que o normal as suas sobrancelhas, eles, numa confidência íntima, firmaram um segredo. Após, um deles, o que estava estirado sobre as almofadas, levantou-se e caminhou rumo ao banheiro. Passos longos! Longos! Long...! Lo...! Ouvia-se agora o barulho da água do chuveiro abalroar como o chão. Água fria!
Era noite, eram estrelas que se viam no céu... era uma noite para além do comum!
Ouvia-se da sala a voz do homem que do banheiro acompanhava a música da Edith. Um novo cigarro tinha sido acesso e tragado várias vezes pelo outro homem, ainda recostado na poltrona, as cinzas já não mais cabiam no pequeno cinzeiro. Tarde intensamente quente! De súbito o homem levantou-se, desligou a vitrola e retirou o disco que permaneceu em trabalho por todo o dia. A voz da Edith parou, mas a do homem que se banhava sob a água fria, não. Por toda a casa ainda ecoava a melodia. Sonoro!
Quem estivesse a caminhar frente à casa por aquele exato momento, poderia supor que algo estava acontecendo. E estava! Muita coisa, naquela noite, entre aqueles dois homens, estava acontecendo.
Eram estrelas que se viam no céu... era uma noite para além do comum!
O chuveiro foi desligado!
Entrando pela sala, enrolado numa toalha, o homem que se banhava, reafirmou o combinado com o negrume de seus olhos. Olhos fixos de um, olhos fixados do outro.
Toalha!
Aproximaram-se os dois, tanto que puderam sentir a respiração do outro como sendo a própria. Inspiração! E melodiosamente, sem que tivesse sido posto por qualquer um deles, Edith, como num misterioso gesto de compreensão, voltou a cantar. Desta vez silenciosamente! A música que agora ecoava pelos ouvidos dos dois homens era somente para eles. Simples! Como numa noite para além do comum.
E era final de semana...
Era noite...
Eram estrelas que se viam no céu...
Era uma noite para além do comum!
[renato ribeiro]

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